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  • Foto do escritorÁvila Oliveira

Crítica | Clonaram Tyrone!

Comédia revisita blaxploitation com acidez e muito subtexto

Divulgação: Netflix


Clonaram Tyrone! é uma comédia de ficção científica onde um trio improvável investiga uma série de eventos suspeitos, que os leva para uma conspiração nefasta bem abaixo de seus narizes. Fontaine (John Boyega), traficante de drogas do bairro, é morto a tiros pelo rival Isaac (J. Alphonse Nicholson) e fica muito chocado ao acordar ileso em sua cama na manhã seguinte. Ele, Slick Charles (Jamie Foxx) e Yo-Yo (Teyonah Parris) começam a investigar o incidente, e sua busca eventualmente os guia até vasto complexo subterrâneo onde um laboratório apoiado pelo governo está realizando experimentos absurdos em sua comunidade.


Apesar da pouca experiência na direção de longas-metragens o diretor Juel Taylor mostra que tem boas referências e estilo ao trazer uma produção inspirada nos blaxploitation, mas cheia de identidade própria. O subgênero foi consolidado nos anos 70 e apresentava, na maioria das vezes, histórias de investigação e crime que giravam em torno de personagens negros estereotipados e apresentavam um tipo de humor descompromissado. Taylor, que também roteirizou o longa com Tony Rettenmaier, usa dos mesmos estereótipos para subvertê-los na sátira, no humor afiado. As referências também estão no uso de granulação na imagem, na trilha sonora infundada em muito contrabaixo e instrumentos de sopro e nas ambientações. Ainda falando de referências é quase impossível não se lembrar dos roteiros de humor negro dos irmãos Coen, marcados pelas comédias de erros e pelo uso do absurdo como motivação e não como um recurso preguiçoso para tapar buracos do texto.


Esse é um filme esperto e cheio de detalhes que se o espectador estiver atento vai deixar o clima de mistério ainda mais instigante – a primeira cena em especial –, mas que se também passar batido não vai comprometer o andamento. A mescla de gêneros é também muito bem executada e equilibrada. O gênero principal aqui é comédia, mas na medida em que a história vai se desdobrando ela vai se encorpando e ficando mais densa, sem nunca perder o viés cômico.


O subterrâneo não é uma alegoria nova para o misterioso e para o inesperado no cinema. Entre outros tantos que surpreendem com criaturas e seres desconhecidos em subsolos, porões e metrôs, mas outra referência que se materializou durante o passar do filme foi Nós (2019), de Jordan Peele, que também abordou clones undergrounds. E mesmo falando nessas referências indiretas a comédia não se apropria de qualquer elemento desses nomes já citados, afinal de contas ele possui um cardápio de referências diretas que faz questão de citar sempre que pode como Nancy Drew e Foxy Brown.


O trio protagonista é espirituoso, divertido e brilha igualmente em diferentes momentos. John Boyega mesmo tendo o personagem mais sóbrio, consegue apresentar seu lado cômico e mais leve que poucas vezes teve oportunidade de mostrar no cinema até então. Jamie Foxx – que também é produtor – é mais familiarizado com papéis escrachados, que desempenha muito bem diga-se de passagem, e está bastante confortável no seu personagem à lá Dolemite. Mas se é possível dizer que um deles rouba a cena, é com certeza Teyonah Parris. A atriz exibe um repertório suficiente para exceder as expectativas de um papel pensado para ser sencundário.


A comédia se apresenta, se estrutura e se desenvolve tão bem que o ponto de inflexão para a conclusão parece se resolver sem a criatividade que conduziu o roteiro até ali, mas ainda assim não tira os méritos do filme. Esse ano eu falei sobre afrosurrealismo na crítica da espetacular série Sou de Virgem, de Boots Riley, e pouco menos de um mês o subgênero reaparece em Hollywood com outra obra bastante sagaz. Eugenia, racismo, capitalismo, controle de massa, status quo, gueto, apartheid... assim como Riley Taylor pincelou temáticas sociais suficiente para compor um enredo perspicaz, e sem querer dar palestra.


Nota: 4/5

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