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Crítica | The Last of Us (2ª temporada)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • há 5 dias
  • 5 min de leitura

Atualizado: há 5 dias

Em temporada que nasceu para ser divisiva, série ainda conta com muitos acertos, mas se vê refém da sua própria timidez.

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Chega a ser curioso que de todos os spoilers que poderia ter pego dos jogos de The Last of Us, o único que tomei foi justamente o da morte de Joel. Não que não fosse inevitável: ocorrendo logo no começo do segundo jogo, é talvez uma das mortes mais chocantes e trágicas da cultura pop recente. Sendo assim, a adaptação da HBO tinha a dura tarefa de trazer essa morte para as telas de TV, correndo o risco de alienar seu público ainda ignorante desse evento e de suas consequências, e também de adaptar o material original à altura das expectativas daqueles que veneram os jogos, especialmente considerando o apego à fidelidade que as adaptações de propriedades intelectuais populares precisam atender.


Embora seja um grande admirador da primeira temporada de The Last of Us, não a considero perfeita. Acredito que ela se beneficia de episódios individuais muito fortes (como Long, Long Time) e da química sinérgica de Pedro Pascal como Joel e Bella Ramsey como Ellie, mas é uma temporada cujo todo é menor que a soma de suas partes, especialmente por adotar uma estrutura incerta entre ser episódica e construir um arco geral. Já a segunda temporada, ao menos no seu começo, parece mais decidida a se inclinar à segunda opção, conforme se orienta a partir do ciclo de vingança estabelecido em torno das consequências das ações de Joel, morto no final do segundo episódio pela enigmática Abby (Kaitlyn Dever), o que leva Ellie à sua própria jornada de vingança.


Particularmente, gosto muito da dinâmica construída no primeiro episódio, o qual nos transporta cinco anos no futuro, para vermos “pai” e “filha” vivendo na comunidade de Jackson, junto com Tommy (Gabriel Luna), irmão de Joel, e novos personagens como Dina (Isabella Merced) – interesse amoroso de Ellie – e seu ex-namorado Jesse (Young Manzino). Apesar da aparente normalidade das vidas dos personagens (ou tanto quanto possível neste mundo pós-apocalíptico), já é perceptível uma sombra pairando sobre eles, tanto na visivelmente conturbada relação de Joel e Ellie quanto na constante ameaça dos infectados e sobretudo na iminente chegada de Abby. Mesmo com poucos minutos de tela na temporada como um todo (mais sobre isso abaixo), Kaitlyn Dever deixa sua marca, transmitindo o ódio e sede de vingança da personagem, nutridos durante estes cinco anos, de modo que apenas o mais chato e insuportável dos gamers reclamaria do seu porte físico não corresponder ao da Abby dos jogos.


Apesar das críticas à inserção da batalha em Jackson contra os infectados no segundo episódio (elemento que não está no jogo), considero uma excelente setpiece que aumenta as apostas no episódio, mesmo que sim, ela até rivalize pela nossa atenção com a morte de Joel, sequência esta adaptada com maestria. Mais problemático, porém, é no episódio seguinte quase não haver espaço para explorar o luto dos personagens pela perda do (então) protagonista, visto que a trama precisa se mover para levar Ellie e Dina a Seattle, onde está Abby e seus parceiros, envolvidos numa guerra entre seu grupo, os Lobos, e os fanáticos religiosos conhecidos como Serafitas. Essa dinâmica quase burocrática, onde os personagens precisam ir do ponto A ao B sem muitas “firulas”, era um problema já aparente na primeira temporada, mas aqui se intensifica, especialmente pelo fato deste segundo ano ter dois episódios a menos para cobrir o equivalente à primeira metade do jogo.

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Não sendo bastante o menor número de episódios, a menor duração destes leva a uma narrativa que por diversas vezes incorre em vários atropelos e atalhos narrativos, como a aparição surpresa de Jesse no quinto episódio para ajudar as protagonistas ou diversas resoluções no último. Assim, tem-se uma narrativa incessante e frenética (ainda que muitos tenham achado os episódios arrastados, para minha surpresa), que embora desfrute de diversas sequências carregadas de ação e tensão – como aquela do metrô no quarto episódio –, acaba por sacrificar um dos aspectos mais primordiais de The Last of Us: o cuidado com o desenvolvimento dos personagens através de passagens mais reflexivas, desacelerando deliberadamente o ritmo mesmo quando a urgência nos pedia o contrário. Episódios como Long, Long Time se tornaram icônicos por uma razão, e o mais perto que temos disso aqui é o sexto, The Price, que passeia pelos anos em que Joel e Ellie viveram em Jackson e extrai o melhor das atuações de Pascal e Ramsey com momentos agridoces e pungentes.


A abordagem de The Price, que reestrutura diversos flashbacks dos personagens ao longo do jogo em uma única hora, é também uma mudança positiva que ilustra o quanto a série acerta quando entende sua própria linguagem audiovisual e as necessidades de mudanças quanto ao material original. Infelizmente, o saldo geral da temporada é de uma flagrante timidez e receio em fazer mudanças que ofendam as “sensibilidades” de um público tipicamente tão conservador como o nerd. Isso fica mais evidente na estrutura adotada a partir da segunda metade da temporada, com a convergência dos núcleos em Seattle, onde acompanhamos apenas a perspectiva de Ellie dos eventos, com rápidas inserções de novas figuras como Isaac (Jeffrey Wright), líder dos Lobos, e dos Serafitas – além da quase completa ausência de Abby até os minutos finais do último episódio. Essa decisão, que acompanha a estrutura do próprio jogo de nos situar no ponto de vista primeiro de Ellie e depois de Abby, é um risco que não se paga aqui; afinal de contas, teremos de esperar pelo menos dois anos até vermos os eventos destes episódios do ponto de vista de Abby, de modo que tudo que não corresponde ao foco de Ellie parece apenas um teaser do que virá aí na série.


Falta, assim, ousadia à The Last of Us de tentar sair da sombra do seu material original, mas infelizmente isso é pedir demais para uma obra de tamanha popularidade em ambos os seus formatos, em meio a essa sede por propriedades intelectuais de sucesso. Afinal de contas, “em time que se está ganhando não se mexe” e qualquer mudança é uma heresia aos jogos. O que importa é que as coisas sejam filmadas da mesma maneira como se desenrolaram neles, para serem comparadas quadro a quadro em vídeos de produtores de conteúdo no Youtube. Infelizmente, nessa incerteza entre viver para agradar os fãs dos jogos e tentar criar algo próprio, a segunda temporada da série consegue construir diversos ótimos momentos – e ser muito melhor do que seus detratores a acusaram, com várias críticas incabíveis e injustas –, mas é nítido que uma parte do seu brilho se perdeu nesta nova leva de episódios. Se é a ênfase na jornada de Abby que vai devolver esse brilho, só saberemos lá para 2027. Talvez até lá a série crie coragem para assumir sua própria identidade.


Nota: 3.5/5

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