Minissérie acerta no tom e faz justiça à luta das vítimas e familiares
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É difícil que alguém que viveu o dia 27 de janeiro de 2013 não tenha nenhuma memória sobre o incêndio de grandes proporções na cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul. Foi um fato noticiado desde as primeiras horas do dia em todas as maiores mídias televisivas e da internet. A partir daí, a Boate Kiss passava a ser conhecida internacionalmente como um dos maiores desastres do Brasil e até do mundo. É difícil não se lembrar e difícil esquecer a sensação horrível que ficava, de que aqueles jovens se pareciam conosco ou que pareciam com alguém que nós conhecemos.
Com o passar das semanas, outras tragédias aconteciam, o assunto não parecia tão atual e a mídia deu vez a outras situações chocantes que aconteciam no Brasil. Mas, enquanto o resto da população parecia esquecer, um grande grupo de pessoas seguia acordando, dormindo e vivendo com a angústia do dia 27 de janeiro de 2013. Todos os dias. Aquela angústia não teve fim para os familiares das 242 vítimas e para os mais de 600 feridos.
São essas pessoas que a minissérie Todo Dia a Mesma Noite, lançada nesta quarta-feira (25), traz em cena. Baseada no livro da jornalista documental Daniela Arbex, a obra da Netflix divide-se em 5 episódios de 40 minutos e conta de forma cronológica tudo que aconteceu, de forma ficcionalizada, do dia do incêndio até a vitória dos pais no Supremo Tribunal de Justiça para o julgamento dos acusados por dolo eventual em júri popular. Até aí, foram anos e anos de uma investigação dolorosa e demorada que continua sem sua devida conclusão.
Divulgação: Netflix
Devo dizer que passar dos dois primeiros episódios é uma tarefa bem difícil. Não que a série romantize o sofrimento ou use disso como artifício narrativo para chocar, longe disso. Todo Dia a Mesma Noite parece bem consciente de que essa é uma história palpável e recente para muita gente e que as cenas ali podem reviver memórias extremamente difíceis. Mas é necessário que seja mostrado para que o telespectador entenda o que aconteceu ali e porque o fato não deve ser lido como um simples acidente circunstancial.
Roteirizada por Gustavo Lipsztein e dirigida por Júlia Rezende e Carol Minêm, a minissérie soube muito bem dosar esses momentos muito emocionantes sem apelar para um drama em excesso. A crueldade da história faz com que você rapidamente se apegue com os personagens introduzidos de uma forma bem simplória e entenda um pouco do que foi perdido naquela noite. É muito difícil assistir os fatídicos momentos em que tudo vai acontecendo sem que a emoção não tome conta, mas, vale ressaltar o incrível trabalho de produção e design de arte da série, que retratou o interior da boate de uma forma praticamente idêntica ao que era em 2013.
Na sequência, o episódio dois, sem dúvidas, entrega a maior carga emocional da série. Ver os jovens já sem vida e a descoberta dos pais de que perderam os seus filhos é algo de cortar o coração. Ver os desdobramentos da tragédia, que mesmo já conhecido e explorado por jornais na época, nessa perspectiva mais íntima é realmente um soco no estômago, mas, um lembrete que o que aconteceu na Boate Kiss foi algo tão trágico e, principalmente, criminoso. Um dos bons destaques da série é a boa atuação do elenco jovem e adulto neste capítulo e da caracterização visual e de sotaque feita pelos preparadores do elenco.
Divulgação: Netflix
A partir do episódio três, temos uma mudança de narrativa e o que antes destrinchava os momentos terríveis do incêndio dão lugar ao luto dos pais atrelado a vontade por justiça, entram em cena aqui novos personagens como delegados, investigadores e promotores do Ministério Público que possuem um papel importante no caso. Os pais, como falado anteriormente, ganham o seu devido protagonismo e entregam ótimas atuações. Essa mudança narrativa pode ser sentida na fotografia da série também, que sai dos tons no estilo sépia e utiliza tons mais frios.
São nesses três episódios, especialmente na reta final, que podemos perceber a verdadeira intenção da série. Todo Dia a Mesma Noite não quer ser minuciosa e trazer novos detalhes do momento da tragédia, a série quer mesmo que todo o público saiba todos os percalços da luta desses pais por justiça e de como o sistema judiciário brasileiro vem falhando constantemente com quem busca uma conclusão tantos anos depois.
Sumiço de provas, impunidade, proteção a pessoas poderosas, julgamento adiado, feito e anulado, processo contra os pais das vítimas. Saber tudo isso, com mais detalhes, torna a dimensão da situação muito maior e deixa sua intenção bem clara: por memória, por justiça, para que não se repita.
Nota: 4,5/5
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