Crítica | Alien: Earth (1ª temporada)
- Vinicius Oliveira

- 27 de set.
- 4 min de leitura
Noah Hawley revisita o universo de Alien à sua imagem e semelhança numa das séries mais instigantes do ano

“No espaço ninguém pode te ouvir gritar”, dizia o slogan de Alien – O Oitavo Passageiro (1979) ... mas na Terra, mesmo que te ouçam, vão se importar? Por baixo do horror puro que o xenomorfo trouxe em suas versões no cinema, a franquia Alien nunca se furtou a trazer comentários sobre classe, capitalismo, identidade e, sobretudo, humanidade. É nesse âmago que Noah Hawley, conhecido por seus trabalhos com Fargo e Legion, mira com Alien: Earth, primeira incursão da franquia na TV.
Ambientada dois anos antes dos eventos do primeiro filme, a série nos mostra uma Terra que é controlada por cinco corporações, num cenário distópico e (assustadoramente) profético. O ponto de partida aqui é a queda da nave Maginot, pertencente à corporação Weyland-Yutani – velha conhecida de quem já assistiu aos filmes – numa cidade controlada pela Prodigy, corporação pertencente ao iconoclasta trilionário Boy Kavalier (Samuel Blenkin). Kavalier, que está criando os primeiros “híbridos” – seres sintéticos com consciência humana transferida dos corpos já falecidos –. envia um grupo destes híbridos, chamados de “Garotos Perdidos” (em alusão à Peter Pan) sob a liderança do androide Kirsch (Timothy Oliphant) para investigar a queda da Maginot e as criaturas que ela trazia consigo, inclusive o nosso querido xenomorfo.
Não é nenhum spoiler dizer o quanto as coisas darão errado a partir daí, e se há um grande mérito em Alien: Earth é em como a série não se furta ao gore e ao body horror quando necessário, resgatando as alusões fálicas do filme original na concepção da criatura, bem como as ideias sobre maternidade de Aliens (1986) sob um verniz bastante violento e horripilante. O(s) xenomorfo(s) que vemos aqui estão entre as criaturas mais sanguinolentas que a franquia já apresentou, e surpreendentemente nem são as mais interessantes, já que Hawley amplia a fauna alienígena com novas espécies tão aterrorizantes quanto, em especial o Trypanohyncha Ocellus, ou “Olho”, que pode muito bem ser o antagonista mais fascinante da temporada.
Mas mesmo que honre o espírito dos filmes e suas ideias (ao ponto de “refazer” o primeiro Alien no quinto episódio, que explica o que houve com a Maginot e é talvez o melhor da temporada), Hawley faz aqui o que já havia demonstrado tão bem em suas séries anteriores: pegar um material já existente e famoso e recriá-lo à sua própria maneira e estilo, abrindo novas possibilidades e caminhos. Se Fargo, a série, ampliava e muito o escopo do filme dos irmãos Coen – inclusive ao beber de fontes advindas de outros filmes dos diretores – aqui o showrunner tem o desafio ambicioso de fazer o mesmo com uma franquia já tão estabelecida, e, ainda que com alguns percalços no caminho, pode se dizer que o resultado final é muito bem-sucedido.

Diria, inclusive, que Alien: Earth está muito mais próxima visual e tematicamente de Legion (até hoje a melhor série de heróis já feita, na minha opinião) do que de Fargo. Hawley e seu time de diretores brincam constantemente com o que está em tela, experimentando transições incomuns, fade-outs, imagens e planos sobrepostos, especialmente em sequências de diálogos. A trilha é outro fator importante, com Jeff Russo, parceiro habitual de Hawley, trazendo acordes dissonantes e quase alienígenas para a série, que colaboram ainda mais para a construção de uma atmosfera inquietante e opressiva, onde é difícil saber se o pior mal são as criaturas alienígenas ou o capitalismo personificado em figuras como Boy Kavalier. Além disso, a escolha de encerrar os episódios com canções icônicas de bandas de rock e metal como Black Sabbath, Tool, Metallica, Smashing Pumpkins, Queens of the Stone Age e Pearl Jam reforça o habitual ótimo gosto musical da dupla, já evidenciado em suas séries anteriores.
Em meio a isso, a série aplica sua estranheza também às atuações do seu elenco, que se em alguma medida podem ser lidas como caricatas, funcionam habilmente neste universo. Os destaques vão para Timothy Oliphant, que sai da sua persona habitual como “homem da lei” de séries como Justified e Deadwood para construir o intrigante Kirsch, e Babou Ceesay, que faz de seu Morrow um antagonista a ser tão temido quanto compreendido. Por outro lado, o núcleo dos “Garotos Perdidos” tem o trabalho mais desafiador, já que são adultos interpretando crianças em corpos sintéticos, que desafiam nossa própria moralidade e lógica sobre o que é ser humano. Assim, suas atuações transitam entre o bobo e caricato (como no caso de Adarsh Gourav e Jonathan Ajayi) e algo mais nuançado e complexo (no caso de Sydney Chandler e Lily Newmark), que pode afastar ou aproximar o público, mas não há dúvidas de que para se acessar o coração da série é preciso abraçar o que é proposto através desses personagens.
Mesmo que nem sempre desenvolva por completo todas as suas ideias e sofra de alguns problemas ocasionais de montagem e ritmo (em especial no penúltimo episódio), Alien: Earth cumpre o que promete enquanto um produto idealizado por uma mente tão criativa quanto transgressora como a de Noah Hawley. Diferente de Alien: Romulus (2024), que, mesmo com seus méritos, se resvalava na nostalgia e conforto para atrair o público, a série ousa experimentar e adicionar novas possibilidades à franquia, sem medo de ousar e desconstruir quando necessário, mas sem deixar de ser inegavelmente Alien.
Nota: 4.5/5





