Crítica | It Was Just an Accident (TIFF 2025)
- Gabriel Sousa
- 4 de set.
- 2 min de leitura
Grande vencedor de Cannes é surpreendentemente contido em comparação à filmografia subversiva de seu diretor

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Jafar Panahi tem expandido suas experiências no mundo cinematográfico há décadas, o que resultou em sua prisão e proibição de realizar novos filmes pelo governo iraniano, uma ordem que ele continua a desafiar. Desta vez, com seu novo longa It Was Just an Accident, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2025, o cineasta apresenta uma narrativa fictícia sobre um grupo de perseguidos políticos que sequestra um homem que pode ter sido um de seus torturadores.
Apesar de estar mais familiarizado com os documentários do diretor, havia grande expectativa de ver como ele exploraria suas próprias experiências através dos dilemas de outros personagens. No entanto, o resultado acabou me decepcionando. Embora a trama, centrada na tentativa do grupo de obter uma confissão do sequestrador, seja intrigante, o filme não aprofunda as histórias pessoais desses personagens, nem o peso de suas vivências anteriores, que justificariam suas motivações. Em vez de mergulhar no arriscado e controverso universo político do Irã, como outros cineastas contemporâneos têm feito, Panahi opta por uma abordagem mais segura e superficial.
Ainda assim, não há dúvidas sobre a grandeza de seu trabalho como diretor, os longos e precisos planos-sequência impressionam, e o próprio ato de realizar o filme em segredo, desafiando a censura, já é em si um gesto de resistência artística. Também é visível como sua fase mais recente, marcada pela metalinguagem, influenciou este trabalho, conferindo-lhe uma energia dinâmica e reflexiva.

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A fotografia merece destaque especial por dialogar de forma orgânica com o blocking preciso de Panahi. Os enquadramentos criados pelo filme capturam os momentos íntimos dos personagens enquanto a câmera se movimenta pelo grupo, quase sempre deixando o suposto torturador, agora transformado em sequestrado, fora da visão do público. Essa escolha reforça que a narrativa não é sobre ele ou para ele, mas sobre as difíceis decisões pessoais e os dilemas complexos que recaem sobre os demais personagens, dilemas estes que, inevitavelmente, podem ser associados também ao próprio diretor.
O que não funciona, porém, é o enquadramento do filme como “thriller” pelo estúdio. Em nenhum momento a narrativa provoca a tensão ou a ansiedade típicas do gênero. A dinâmica de poder entre os personagens tampouco consegue sustentar essa atmosfera, fazendo com que a classificação pareça mais uma estratégia de mercado do que uma definição orgânica.
Assim, It Was Just an Accident certamente se tornará um filme importante para a trajetória de Panahi e para a história do cinema iraniano. No entanto, sua proposta contida e o roteiro raso deixam a sensação de que o diretor, desta vez, preferiu a cautela ao risco, algo que contrasta com o espírito desafiador que sempre marcou sua carreira.
Nota: 3/5