Crítica | Modern Whore (TIFF 2025)
- Caio Augusto
- 11 de set.
- 3 min de leitura
Um mergulho íntimo no universo do trabalho sexual, entre memórias e estigmas.

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Adaptado do livro de memórias da ex-acompanhante e atual defensora dos direitos das trabalhadoras sexuais Andrea Werhun, Modern Whore marca a estreia da diretora Nicole Bazuin, que já havia colaborado com Werhun na obra original, também responsável pelas fotografias que se tornaram um dos pontos altos da publicação. O filme revisita representações populares do trabalho sexual a partir das experiências da própria autora, escritora, performer e profissional do sexo, que, ao transformar seu livro Modern Whore: A Memoir em filme, enfrenta o estigma social e reivindica sua voz em uma série de relatos ao mesmo tempo engraçados, emocionantes e inesperados. O filme foi selecionado para o Festival de Toronto (TIFF) 2025, que nós do Oxente Pipoca já tivemos o privilégio de assistir.
A produção executiva de Modern Whore leva a assinatura de Sean Baker, e isso trás uma relação interessante para a obra. Não apenas pela conexão imediata com Anora, seu mais recente trabalho premiado pelo Oscar, mas sobretudo porque Sean Baker construiu sua carreira justamente a partir de narrativas voltadas para personagens marginalizados. Sua presença no projeto reforça uma coerência autoral: tornar visível as bordas sociais sem cair no estigma, oferecendo um olhar de respeito e humanidade para quem tantas vezes é reduzido ao estereótipo.
O documentário organiza-se em capítulos, espelhando a estrutura do livro de Andrea Werhun, no qual a autora narra suas experiências como trabalhadora sexual e os caminhos que a levaram até esse universo. A narrativa combina entrevistas no estilo talking heads com cenas encenadas, que incorporam doses de humor e leveza ao relato. Esse recurso não apenas dinamiza o filme, mas também cria uma atmosfera acessível, afastando-o de um tom meramente confessional. O fato de Werhun assumir o papel de narradora e escritora de sua própria história, sempre com ironia e inteligência, remete em alguns momentos à dinâmica de Sex and the City.

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Modern Whore oferece uma abordagem instigante sobre o universo das trabalhadoras sexuais, desmontando os estereótipos mais recorrentes que cercam essa profissão. O documentário alterna os relatos de Andrea Werhun, que vão desde a decisão de se tornar acompanhante até a reflexão sobre os prós e contras do ofício, com reconstituições que ampliam a dimensão narrativa de suas experiências. Em determinado momento, o filme estabelece um paralelo interessante entre o trabalho sexual e o cinema, ao sugerir que ambos operam como uma espécie de “venda de sonhos”, alimentando a imaginação do outro. Para dar corpo a essa ideia, acompanhamos Werhun recriando situações que vão dos encontros com clientes a episódios desconfortáveis, apresentados com a força de uma denúncia.
Entretanto, ao alternar constantemente entre os relatos e as encenações, o filme acaba por perder certo equilíbrio. O humor, recurso eficaz no início por conferir leveza ao tema, gradualmente se desgasta e dá a sensação de repetição à medida que novas sequências se acumulam. Essa insistência compromete o ritmo e enfraquece parte do impacto que a proposta inicial parecia prometer. Nas reconstituições estilizadas do filme, em que quebra a quarta parede com franqueza e habilidade, Werhun expõe tanto os aprendizados quanto os desafios de sua trajetória, da ausência de proteção contra clientes abusivos às formas de vergonha internalizada que refletem o estigma social em torno do prazer feminino e do trabalho sexual.
Embora Modern Whore não se furte a mostrar os aspectos mais sombrios e desconfortáveis do trabalho sexual, seu propósito central é validar e celebrar quem o exerce, apresentando essas pessoas em toda a sua complexidade. O documentário ultrapassa o relato individual de Andrea Werhun, uma mulher cisgênero branca, para incorporar experiências e perspectivas diversas, ampliando a visão sobre a comunidade de profissionais do sexo. Ainda assim, sinto que o filme tenta se bastar apenas com o seu conteúdo, já que as encenações acabam se tornando cansativas e não agregam muito para o que está sendo contado, e talvez a grande sacada seja de fato nos bastar apenas pela imaginação.
Nota: 2,5/5