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Crítica | Nouvelle Vague (Mostra de SP 2025)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • há 5 dias
  • 3 min de leitura

Richard Linklater escolhe uma lente charmosa e espirituosa para falar de um dos períodos mais importantes da história do cinema

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Foto: Reprodução


Não é uma tarefa fácil assumir para si a responsabilidade de narrar os bastidores de Acossado, um dos filmes mais relevantes e revolucionários já feitos, e uma das obras-síntese do que se conheceu como a Nouvelle Vague na França. Mesmo que a tarefa em si tenha recaído sobre Richard Linklater, uma das figuras mais importantes do cinema estadunidense dos últimos 30 anos, ainda assim é um tremendo desafio, especialmente considerando-se que muito do aspecto revolucionário de Acossado reside justamente em sua linguagem cinematográfica.


Disse Jean-Luc Godard uma vez: “o cinema é a verdade 24 vezes por segundo”, mas Linklater parece menos interessado na verdade e mais na fábula, transformando os bastidores de Acossado numa grande síntese do que foi a Nouvelle Vague. A decisão de introduzir tantos nomes fundamentais do período com as cartelas com seus nomes na tela faz do filme uma espécie de jogo: tal qual um marvete entusiasmado ao ver um herói inesperado aparecendo em cena em algum novo filme do MCU, qualquer cinéfilo com o devido repertório será capaz de gritar empolgado ao ver figuras como François Truffaut, Claude Chabrol, Agnes Varda, Jacques Demy, Jacques Rivette, Roberto Rosselini, Jean-Pierre Melville ou Robert Bresson no decorrer de Nouvelle Vague.


Mas Linklater nunca trata isso com uma seriedade autoindulgente; pelo contrário, ele parece se divertir o filme todo, e traz esse senso de diversão para sua própria visão do processo caótico que foi gravar Acossado quebrando-se as regras e convenções do cinema clássico. O maior mérito de Nouvelle Vague é justamente o de trazer figuras tão lendárias como Godard (Guillaume Marbeck), Jean Seberg (Zoey Deutch), Jean-Paul Belmondo (Aubry Dullin) e diversos outros sob uma lente charmosa e espirituosa, que os desmistifica. Isso é verdade especialmente com o próprio Godard, que na performance de Marbeck não é meramente um ególatra insuportável tampouco um deus do cinema, mas um homem com suas falhas e virtudes, que busca entender o que ele próprio quer contribuir ao cinema a cada dia de gravação.

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Foto: Reprodução


É bem verdade que, no processo de dissecar esses bastidores, Linklater se vê diante de um grande desafio: incorporar a linguagem cinematográfica disruptiva de Acossado e cair no risco de uma imitação plástica vazia ou adotar uma abordagem mais segura e convencional? Em certa medida ele escolhe a segunda opção: afora as apresentações dos personagens emblemáticos do movimento, a razão de aspecto em 4:3 e a abordagem mais documental, Nouvelle Vague não escolhe abraçar elementos como o jump cut e outros que fizeram do filme de Godard tão disruptivo.


Isso não chega a ser um problema em si, mas também impede o filme de alçar voos mais altos. Particularmente, me desagrada que tão pouco tempo seja dedicado ao processo de montagem de Acossado (um dos pontos-chave do filme), ao passo em que a rotina de gravações – ou falta delas – acaba levando a um certo cansaço em alguns momentos, por mais divertido que seja ver a equipe do longa cada vez mais surtada (ou acostumada) aos desvarios de Godard.


No fim das contas, Nouvelle Vague que consegue superar o nosso ceticismo sobre se seria capaz de dar conta de representar um dos momentos mais importantes da história do cinema. Traz a habitual abordagem mais leve de Linklater para um contexto que não lhe é exatamente estranho, mas que ao mesmo tempo se distingue bastante das suas outras produções, mesmo que sempre tenha sido um grande devedor da Nouvelle Vague. É até mesmo fofo, mesmo que não exatamente icônico, nos dando uma visão – real ou não, isso pouco importa – de como o gênio de Godard e seus contemporâneos lançou novas sementes que ainda frutificam no cinema até hoje.


Nota: 3.5/5


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