Crítica | Papagaios (Gramado 2025)
- Vinicius Oliveira

- 26 de ago.
- 2 min de leitura
Douglas Soares satiriza a obsessão pelo estrelato em longa com referências óbvias, mas ancorado no poder da sua dupla principal.

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Em tempos de redes sociais e streamings, a ênfase de Papagaios na TV pode parecer anacrônica ou datada, mas faz sentido num país onde 70 milhões de televisores todos os dias. Estreia de Douglas Soares na direção, o longa — que conquistou no último Festival de Gramado os prêmios de Melhor Ator para Gero Camilo e Melhor Longa-metragem Brasileiro pelo Júri Popular — mergulha na sátira e no suspense para contar a relação complexa e repleta de nuances desenvolvida entre seus dois protagonistas.
Um deles é Tunico (Camilo), cearense radicado no Rio que ganhou a alcunha de “melhor amigo dos repórteres” por estar sempre aparecendo no fundo das matérias e reportagens dos jornais, sempre em busca de seus 15 segundos de fama. O outro é Beto (Ruan Aguiar), jovem misterioso e de índole questionável que se torna seu aprendiz. A relação entre os dois varia entre mentor e protegido, pai e filho e até mesmo assume contornos homoeróticos, o que se revela uma das maiores forças do filme — como na excelente cena dos dois no espelho ao som de Naquela Mesa, de Nelson Gonçalves, onde os movimentos dos corpos ditam não só um ritmo próprio, mas sintetizam a própria temática do filme.

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Mesmo que trilhe caminhos óbvios, justamente por causa das referências a que alude (como O Abutre), o filme encontra força no tratamento dado à dupla de protagonistas e seus intérpretes. Chega ser bizarro que somente agora em 2025 um ator do porte e com a carreira de Gero Camilo finalmente tenha a oportunidade de estrelar num papel principal, e ele abraça esse papel com ferocidade, mas também sutileza e nuance, criando uma figura emblemática por si própria, especialmente na sua apresentação visual (a maquiagem, a peruca, os ternos). Já Ruan Aguiar, se ainda deixa transparecer sua inexperiência em alguns momentos, consegue enquadrar um papel ainda mais difícil que o de Camilo, dada as tendências progressivamente sociopatas de Beto. Às vezes ele é restrito a olhares carregados e outros clichês desse tipo de personagem, mas no geral o ator consegue dar conta da dubiedade do seu protagonista à medida que a relação entre Tunico e Beto se constrói e desconstrói.
Ainda que perca força justamente quando antagoniza o par (descambando num final ligeiramente anticlimático, para além de previsível), Papagaios consegue costurar esse universo ligeiramente perturbador, onde vale tudo pela fama. Não reinventa a roda nem se propõe a isso, mas trata-se de um impressivo trabalho de antropofagia que nos aproxima de uma realidade tão brasileira através da sátira e da tensão. Ou como cantaria Kid Abelha e Léo Jaime (este com um papel significativo no filme) em A Fórmula do Amor:
Eu tenho a pose exata pra me fotografar
Aprendi no vídeo pra um dia usar
Um certo ar cruel, de quem sabe o que quer
Tenho tudo ensaiado pra te conquistar
Eu tenho um bom papo e sei até dançar
Não posso compreender, não faz nenhum efeito
A minha aparição será que errei na mão
As coisas são mais fáceis na televisão
Nota: 3.5/5





