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  • Foto do escritorVinicius Oliveira

Crítica | Plano 75

Uma premissa tão absurda quanto real é tratada sob uma ótica sensível, mas limitada

Foto: Divulgação


Há lugar para o envelhecimento no nosso mundo contemporâneo? Basta ver comentários no Twitter que tratam a chegada dos 30 anos como o fim de nossas vidas (como se vivêssemos na Idade Média) para ver que o ato de envelhecer é quase imperdoável, desembocando em um etarismo explícito. Considere então o cenário do Japão, que possui a população que envelhece mais rápido no mundo, o que obviamente se traduz em gastos previdenciários. É nesse cenário que Plano 75, de Chie Hayakawa, se desenrola, nos apresentando um futuro (ou presente) distópico onde o governo japonês impõe o plano do título, o qual dá a opção de todos os idosos com 75 anos ou mais escolherem como morrer.


O filme segue três histórias distintas que se entrecruzam. Temos Mishi Kakutani (Chieko Baisho), uma funcionária de um hotel que está chegando aos seus 80 anos e tenta a todo custo prosseguir com sua vida, mesmo com o peso da idade e as dificuldades de viver numa sociedade cada vez mais etarista. Já Himoru Okabe (Hayato Isomura) é um orgulhoso funcionário do Plano 75, mas que se vê assombrado pelo retorno de uma figura do seu passado que deseja receber os benefícios do plano para morrer. E Maria (Stefanie Arianne) é uma imigrante filipina que deseja ter as melhores condições para custear uma delicada cirurgia para sua filha, e que por isso passa a trabalhar num dos crematórios vinculados ao plano.


O que mais chama a atenção em Plano 75 é a sutileza e sensibilidade com a qual o filme trata essa temática, e nisso residem suas forças — mas também suas fraquezas. Ao apostar no drama dos personagens e em uma estética naturalista, Hayakawa torna esse cenário tão absurdo e eugenista muito mais real do que poderíamos imaginar, o tipo de coisa que facilmente se veria no capitalismo pós-moderno que desumaniza cada vez mais os indivíduos. O roteiro, co-escrito por Hayakawa e Jason Gray, evita verborragias didáticas para pintar muito sutilmente este universo, em especial no bloco de Kakutani, onde vemos diversas situações em que essa personagem sofre na pele as marcas do etarismo até que ela se veja tão sufocada que não lhe resta alternativa exceto recorrer ao plano.

Foto: Divulgação


É esse bloco, aliás, o grande destaque do filme, muito por causa da atuação contida, mas singela, de Baisho, que reflete a dignidade, a dor, as alegrias e tristezas que permeiam sua personagem. Há um latente senso de sobrevivência que a instiga a continuar lutando, mesmo que não haja mais espaço para uma pessoa da sua idade naquela sociedade, e por isso nos pegamos torcendo para que ela não escolha morrer. Em especial, a introdução de uma atendente do plano (Yuumi Kawai) cujo papel é “confortar” Kakutani e garantir que ela siga o processo sem desistir de morrer amplia ainda mais os dilemas éticos sugeridos pelo filme — com direito a uma rápida, mas impactante, quebra da quarta parede que nos provoca enquanto espectadores em relação a esse dilema.


Infelizmente, a força desse bloco não é encontrada nos outros dois, mesmo que estes possuam suas próprias agendas. Há até um drama sincero no arco de Okabe, mas o de Maria é o mais deslocado e mal-trabalhado dos três. Embora eles tenham seu papel de ampliar os olhares a respeito do universo em que o filme se situa (uma das melhores cenas é aquela em que Okabe descobre o que é feito às cinzas dos idosos cremados), o longa não consegue sustentá-los com a mesma elegância e fluidez do que vemos no bloco de Kakutani.


Assim, fica a percepção de que Plano 75 só consegue aproveitar a riqueza da sua premissa até certo ponto, justamente porque escolhe se ancorar em seus personagens — e em apenas um deles temos uma potencialidade dramática que nos permite navegar nesse ambiente tão moralmente complexo e perturbador. Mas de maneira paradoxal, muitas das forças do filme advêm dessa escolha narrativa, especialmente quando o olhar é dirigido à sua protagonista idosa. E que bom ver uma atriz como Baisho dar conta do papel, mostrando que talento é uma coisa que não se perde com a idade. Num mundo tão etarista (e isso inclui a própria indústria do cinema), essa lição bem que podia ser posta em prática.


Nota: 3,5/5

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