Entrevista | “Começo o filme com o desejo de ser pai e termino entendendo que também fui filho”: Leandro Wenceslau fala sobre seu novo documentário “LAR”
- Ana Beatriz Andrade

- 18 de nov.
- 5 min de leitura
Em entrevista ao Oxente Pipoca, o diretor conta como foi revisitar sua própria história para refletir sobre a delicadeza do convívio familiar.

O documentário “LAR”, dirigido pelo mineiro Leandro Wenceslau, teve sua estreia em 13 de novembro, nos cinemas de Belo Horizonte, Salvador, São Paulo e Vitória. A obra retrata o cotidiano de três famílias LGBTIAPN+ através do olhar sensível de seus filhos. Enquanto estes jovens navegam entre desafios e alegrias, o diretor entrelaça sua própria história de busca por identidade e pertencimento.
Em paralelo às histórias retratadas, Wenceslau fala da sua própria jornada de autodescoberta, revisitando lembranças de infância e sua busca por um lugar no mundo. O resultado é um retrato íntimo, que amplia o conceito contemporâneo de lar, família e pertencimento.
O Oxente Pipoca entrevistou o diretor, que falou sobre sua experiência de imersão ao conhecer as famílias, do desafio de se colocar em foco na narrativa e do que ele busca propor com o filme.
Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): Leandro, tem uma cena em especial em que uma das crianças diz: “aproveita que você está em pé e busca uma água pra mim”. Isso me remeteu muito a memórias de infância, a certas relações entre pai e filho, irmão e irmã. Como foi decupar esse material bruto para construir a montagem do filme? Imagino que havia muitas cenas que remetiam até à sua própria infância. Como foi esse processo de escolha e decupagem?
Leandro Wenceslau: Foi um processo, né? Acho que, para explicar um pouco o formato ao qual chegamos na lapidação do filme, é importante falar um pouco desse percurso. Fiquei quase dois anos filmando com essas famílias, um processo longo de conhecê-las, fazer imersões e, depois, o que chamamos de pesquisa, já nas filmagens com as famílias. Isso gerou uma quantidade muito grande de material.
Acho que o maior norte na montagem era tentar, de alguma forma, entrar no convívio dessas famílias. Enquanto proposta de filme, isso estabeleceu um ritmo, um lugar mais imersivo, e não apenas a escolha de cenas com diálogos profundos. Interessa também esse espaço da rotina, das cenas do dia a dia, que são tão comuns.
Por exemplo: você pede para o seu irmão buscar um copo d’água, começa um joguinho: “faz isso pra mim”, e por aí vai. Acho que isso demonstra uma cumplicidade. Nessa cena em específico, temos irmãos adotados, vindos de lugares e idades diferentes. Para mim, a montagem estava muito mais nesses momentos do que nas conversas profundas, que a gente tende a achar que criam os grandes vínculos. Foi por aí, mas foi desafiador, havia bastante material. Encontrar o equilíbrio entre esses dois tipos de momentos era essencial para conhecer a dinâmica desses personagens e dos gestos corriqueiros. Acho que foi isso que buscamos na montagem.
Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): Uma coisa que me chamou atenção é que o documentário toma ciência de si em alguns momentos. A narração reconhece o próprio filme, especialmente nas cenas do parque de diversões. O documentário sabe que é um documentário. Essa escolha foi pensada desde o início ou surgiu ao longo da produção?
Leandro Wenceslau: Essas inserções em que começo a narrar e entrar ali como locutor, colocando minha vida no filme, foram algo que fomos entendendo ao longo da montagem. Como fazíamos as imersões, tínhamos esse material, e percebemos que era importante colocar um pouco do processo e da minha relação com o filme, porque ele nasce de momentos muito distintos. Ele nasce de um desejo, mas se transforma ao longo dos anos da sua feitura. Acho que foi importante seguir esse caminho, uma escolha que surgiu pela necessidade de mostrar por que aquele filme existia. Tem a ver com a forma e com o conteúdo.
Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): “LAR” nasce de uma experiência autobiográfica, como você menciona na narração. Em sua trajetória como cineasta, em que momento você sentiu a necessidade de trazer sua história pessoal? Quando percebeu que ela precisava fazer parte de um dos filmes da sua cinegrafia?
Leandro Wenceslau: Esse é meu primeiro longa. Já fiz alguns curtas, a maioria ficcionais, embora lidassem com questões LGBT+. Mas nunca foram filmes em que eu sentisse necessidade de me colocar como em “LAR”. Este filme tinha uma particularidade: ele não nasce de uma vontade de fazer um filme, ele nasce do desejo de ter um filho.
Quando comecei as entrevistas, uma coisa me chamava atenção: nas conversas com famílias sobre o tema, os filhos quase nunca eram ouvidos ou participavam. Você ia à casa, as crianças estavam brincando, os adolescentes no quarto, e não eram chamados para conversar. Os pais, psicólogos, líderes — essas figuras de autoridade — assumiam o centro da discussão. Para mim, as figuras centrais, que são os filhos, eram deixadas de lado. Como se não soubessem elaborar suas questões. Claro que há um grau de entendimento diferente ao falar com uma criança, mas mesmo sem verbalizar, elas colocam seus sentimentos de outras formas.
O filme nasce do desejo de voltar o olhar para essas crianças e adolescentes. E acho que trazer minha experiência acabou sendo importante. Era difícil me desassociar desse olhar e não olhar para mim. O grau de abertura das pessoas que me recebiam, eu entrando literalmente na casa delas, era muito verdadeiro e profundo. Eu sentia que não podia me colocar como simples observador, registrando algo tão próximo da minha vida. Começo o filme com o desejo de ser pai e termino entendendo que também fui filho.
Foi um desafio. Não sou alguém que gosta muito de se expor, então tive receio de como participar. Mas fui entendendo que nem era tanto sobre mim. Minha história é também a de outras pessoas. Hoje fico feliz em ser um personagem (risos), mas foi um processo.

Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): Pegando esse gancho, o filme valoriza muito os momentos cotidianos. E mostra que o afeto familiar vai além de noções pré-estabelecidas de como uma família deve parecer. Que tipo de conversa você espera provocar com “LAR”, tanto nas famílias quanto fora delas, profissionais da adoção, políticas públicas e o público em geral?
Leandro Wenceslau: Acho que quando carregamos uma idealização rígida do projeto de família, isso se distancia muito da realidade. Mesmo nas famílias “pai, mãe e filhinho”, sempre existem fissuras que não se encaixam no modelo que a sociedade impõe. O que eu gostaria de provocar com o filme — e acho que é sua grande potência — é que as pessoas se reconheçam nessas outras possibilidades de configuração familiar, nessas outras formas, nessas questões e desafios que atravessam todas as famílias.
As famílias são muito mais do que conexões consanguíneas. Elas têm valor e o direito de existir, de não sofrer preconceito, de não serem atacadas por serem quem são. É um desejo quase utópico, mas acho que um pequeno movimento pode ajudar a ampliar a consciência sobre essas existências e sobre a diversidade da sociedade. Elas amam, sofrem, enfrentam desafios e merecem garantia de direitos. É um movimento humano, mas também político.
Ana Beatriz Andrade (Oxente Pipoca): Para finalizar, queria que você indicasse três filmes brasileiros para o público do Oxente Pipoca.
Leandro Wenceslau: Vou indicar “Helena”, da Petra Costa, um filme que me serviu de referência para “LAR”, pela forma como ela se coloca. Também “Edifício Master”, do Eduardo Coutinho, e “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo”, do Karim Aïnouz. Todos muito relevantes para a cinematografia brasileira e muito inventivos.





