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Entrevista | Marcelo Caetano fala sobre “Baby” e sua participação como jurado da Queer Palm em Cannes

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 12 de mai.
  • 8 min de leitura

Atualizado: há 8 minutos

O diretor abordou a representação de histórias LGBTQIA+ no cinema contemporâneo, a importância do centro de São Paulo para suas histórias e sua presença na atual edição de Cannes.

Divulgação


O Brasil estará presente em peso na 78ª edição do Festival de Cannes, que inicia nesta terça-feira (13). Além da presença de O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, na competição pela Palma de Ouro, bem como produções nacionais participando do Marché du Film 2025 – o mercado de cinema do Festival de Cannes, que este ano homenageia o Brasil como país de honra –, o brasileiro Marcelo Caetano será um dos jurados da Queer Palm neste ano.


Mineiro radicado em São Paulo, Marcelo é diretor de Baby, filme que competiu pela Queer Palm do ano passado e estreou nos cinemas em janeiro. No longa, ambientado no centro da capital paulista, Wellington (João Pedro Mariano) sai de um centro de detenção juvenil e se vê sem rumo nas ruas da cidade, sem contato com seus pais e recursos para reconstruir sua vida. Durante uma visita a um cinema pornô, ele encontra Ronaldo (Ricardo Teodoro), um homem mais velho, que ensina ao rapaz novas formas de sobrevivência. Gradualmente, o relacionamento dos dois se transforma em uma paixão conflituosa, oscilando entre exploração e proteção, ciúmes e cumplicidade.


O Oxente Pipoca teve a oportunidade de entrevistar Marcelo, que falou acerca da proposta de representação LGBTQIA+ na obra, bem como da sua visão para o centro de São Paulo e de sua participação como jurado da Queer Palm neste ano. Você pode conferir a entrevista na íntegra abaixo:

 

Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Recentemente assisti ao Lispectorante, da Renata Pinheiro, que é um filme que discute esse processo de gentrificação e abandono do centro de Recife, mas com um olhar muito carinhoso para esse centro, mostrando o quanto ele ainda é vivo. E eu sinto que “Baby” também dirige um olhar muito carinhoso ao centro de São Paulo, sem deixar de ignorar as problemáticas que o assolam. O que você queria mostrar desses espaços, como você pretendia retratá-lo conforme contava a história de Wellington e Ronaldo?


Marcelo Caetano: Baby é o segundo longa que eu filmo no centro, Corpo Elétrico [longa de estreia do diretor] também se passa no centro, e eu fiz aqui também quatro curtas que se passam na região. E eu moro também há bastante tempo aqui na região, na avenida São João, e é uma região em disputa. Eu não sei se a gente consegue dizer que houve gentrificação porque ela nunca conseguiu se efetivar aqui no centro.


Se tentou construir várias instituições, se tentou trazer para cá órgãos governamentais, mas ainda assim essa região mantém uma coisa bastante típica do centro de São Paulo, que é esses contrastes que você pode perceber na rua. Então você vai ter a classe média, você vai ter parte da elite intelectual, mas a grande parte são pessoas operárias, da classe trabalhadora, você vai ter os prédios novos ao lado dos prédios modernistas e ao lado dos cortiços das pensões. Você tem os migrantes nordestinos, os migrantes de outros países que vieram viver aqui, ao lado da população queer de São Paulo e de outros lugares do Brasil também, migrantes sexuais. Você vai ter uma diversidade muito grande, vai ter lado a lado um imigrante do Cabo Verde com uma bicha de Belém e uma evangélica trabalhadora do centro de São Paulo.


Então para mim é um uma espécie de microcosmo do que a gente consegue ser mais cosmopolita em relação ao Brasil. É, temos aqui todas as mazelas, mas também todas as grandes belezas, né? É um espaço extremamente colorido dentro de uma cidade cinza, é um espaço extremamente musical dentro de uma cidade que tenta ser europeia e burguesa. Então, acho que é muito curioso o centro de São Paulo, e eu tendo a achar que ele é um pouco do microcosmo do Brasil.

 

Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Falando agora sobre os personagens, me chama a atenção como você constrói a relação deles de forma autêntica, mas sem isentá-los de suas falhas e contradições, dando uma dimensão humana a esse relacionamento. Você diria que é uma resposta à maneira um tanto “higienizada” e “comportada” como muitas vezes pessoas e relações queer são representadas no cinema contemporâneo?


Marcelo Caetano: Eu acho que tem uma diversidade também muito grande dentro do cinema queer contemporâneo; não sinto que seja só essa higienização, não. Eu acho que tem diversas coisas acontecendo que são muito underground e que tratam de formas de cinema pouco convencionais, então mesmo aqui no Brasil a gente teve recentemente o trabalho de vários diretores. Eu posso citar o Salomé do André Antônio, que é um filme que tem um tipo de abordagem bastante radical em relação ao que seria o cinema queer.


Mas pensando no meu filme, no que eu tento fazer, eu acho que a gente só consegue trazer profundidade para o cinema se a gente trabalha com contrastes. Ainda na ideia do que eu falava do centro de São Paulo, também pensando em termos de dramaturgia, eu acho que os personagens só são fortes, só têm profundidade, só vão atingir de questões metafísicas e existenciais se existe contraste dentro da construção deles, se existe contraste entre os encontros que você possibilita dentro de um filme, de pessoas muito diferentes, de encontros que eles são não impossíveis, mas improváveis.


E, dentro da formação de cada personagem, é tentar trazer elementos que em um primeiro momento nos recorreria a julgar, a trazer uma visão moral, e ao mesmo tempo humanizar no sentido de dizer que, para além dos nossos preconceitos, nossos julgamentos, da nossa necessidade de acusar, existe ali uma série de circunstâncias, uma série de contradições, uma série de desejos reprimidos que muitas vezes vêm à tona, que quando você coloca isso tudo dentro de um personagem, ele fica muito complexo.


Então essa complexidade é o que me interessa, e ela vem justamente de imaginar que dentro da gente habitam contrastes, habitam contradições e eu não acredito que seja um trabalho condescendente ou indulgente em relação aos personagens. Eu acho isso uma visão totalmente torpe, equivocada sobre o Baby. O que eu acho que acontece com esses personagens é que habitam dentro deles sentimentos muito contraditórios, vontades que são contraditórias. Eu acho que ao poder falar dessa contradição sem julgar a gente abre um espaço para uma conexão com um tipo de personalidade, de identidade que forma o Brasil e que é bastante complexa, bastante confusa. Ela vem de diversas demandas de sobrevivência e de existência. Então eu sempre me interessei muito em qualquer tipo de arte, não só no cinema, pela construção que parte dos contrastes, que parte das contradições.

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Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Ainda falando sobre obras queer, você será um dos jurados da Queer Palm em Cannes neste ano. Como você avalia o impacto de estar no festival nessa posição de jurado levando em conta a sua trajetória até aqui? E o que você diria que espera ver para o cinema queer, especialmente o nacional, nestes próximos anos?


Marcelo Caetano: Eu acho que essa oportunidade de estar nesse júri tem uma dimensão pessoal e interessante, porque vou assistir 16 longas, então, vou assistir uma produção atual. Boa parte dos filmes selecionados que estão nessa mostra são filmes europeus, e eu gostaria que fosse um espectro mais amplo, mas infelizmente a geopolítica do cinema é bastante cruel. Mas é uma oportunidade muito grande de entrar em contato com essas vozes, com esses pensamentos de cinema. Tem a Julia Ducournau voltando com Alpha depois de ter ganhado a Palma de Ouro com Titane; tem o Enzo do Robin Campillo, que ganhou o Grand Prix com 120 Batimentos Por Minuto; tem filme do Lucio Castro, o Drunken Noodles. Então tem uma coisa bem interessante em termos das autoralidades desses diretores que estão propondo visões de cinema bastante particulares. Então, acho que tem esse ponto de vista pessoal que é muito bom.


O segundo ponto é estar em em diálogo com o júri, e é um júri muito interessante, que tem pessoas de diferentes áreas dentro do cinema, de diretores, curadores, compositores, críticos. Então são cinco pessoas, cada um representando um pouco uma área dessa nossa arte, acho que vai ser um diálogo bastante interessante. O Cristophe Honoré, que é o presidente do júri, é alguém que eu acompanho a obra há muito tempo, desde o Dans Paris, Canções de Amor, até os filmes mais recentes, o Marcello Mio. E eu acho que eu, como único representante do sul global desse júri, vou tentar trazer também um pouco dessa perspectiva dessas outras existências queer, dessas outras possibilidades queer também.


E aí se for falar do cinema queer brasileiro, eu acho que a gente chegou num lugar de destaque muito importante internacionalmente. Se a gente ver, o Brasil seja o único país latino-americano que sempre tem filmes em festivais queer, como a Queer Palm e o Teddy Award no Festival de Berlim. A gente tem o cinema do Márcio Reolon, da Juliana Rojas, da Carolina Markowicz, do Gustavo Vinagre, Caetano Gotardo, Ricardo Alves Júnior. Então, acho que é um cinema muito, muito diverso, muito rico e todo mundo vindo com uma proposta de linguagem muito forte, muito afirmativa, está todo mundo ali criando, tentando descobrir como é que se posiciona dentro desses cinemas.


Acho que a gente conseguiu com o Baby furar a bolha do cinema queer. A gente fez uma carreira de festivais gerais, mostrando um filme com personagens LGBTs, com uma história de amor de dois homens. Para mim é muito importante que a gente saia do conforto do nicho, que a gente vá discutir com o público mais amplo, porque a gente vive um momento de perseguição, de restrição de direitos. E eu acho que a gente, para além de fazer cinema queer, está fazendo cinema. Em momento nenhum eu deixei de usar coisas que eu acho que são muito típicas da linguagem queer como, por exemplo, o excesso de cor, os movimentos de câmera, os jogos de espelho. Não deixei de ter cenas de sexo, não deixei de ter cenas de sensualidade, não tive que fazer concessões em relação à queerness, mas ao mesmo tempo é um filme que que vai tentar levar isso para um público muito mais amplo. Então, acho que esse é o desafio político desses filmes.


Vinícius Oliveira (Oxente Pipoca): Foi até bom que você tenha citado muitos nomes de diretores e diretoras e de muitos filmes, porque a gente sempre termina as nossas entrevistas aqui no Oxente Pipoca pedindo que os nossos entrevistados indiquem obras nacionais que eles acham que o público deve assistir. Então, dentro desse repertório de filmes, quais você acha que as pessoas deveriam estar assistindo, especialmente nesse âmbito do cinema queer?


Marcelo Caetano: Eu vou fazer um pouquinho o papel da história, tá? Vou falar um pouquinho dos do que eu acho que historicamente me tocaram bastante em relação ao cinema queer. O primeiro filme que eu vou citar é O Menino e o Vento, que é um filme do Carlos Carlos Hugo Christensen, um diretor argentino que trabalhava no Brasil, foi filmado nos anos 60. Ele foi filmado, inclusive, na cidade onde os meus pais nasceram [Visconde do Rio Branco-MG], minha mãe faz figuração no filme. Então, então eu já tenho ali o leite materno, um pouco de cinema queer [risos] e foi talvez nosso primeiro filme a falar desse amor proibido.


Eu vou citar também um filme super importante, com uma personagem lésbica interpretada pela Betty Faria, que é o Anjos do Arrabalde, o filme do Carlos Reichenbach, de 1987. Eu acho um filme tem uma personagem que é super interessante. E vou indicar também para quem ainda não viu o Tatuagem, do Hilton Lacerda, de 2013. Foi a minha grande escola de cinema, foi o filme em que eu fui diretor assistente e tenho bastante carinho. Acho que quase todo mundo já viu, mas é bom sempre reafirmar porque eu acho que ele faz parte dessa história. Trabalhei meses com Hilton em Recife, pensando e fabulando esse filme que eu acho extremamente importante, justamente nesse movimento que eu falo gente falar desses amores para um público cada vez mais amplo e confrontar a caretice das pessoas.

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