O peso do abuso através de uma intrigante (e eficaz) ótica cômica.
Divulgação: Apple TV+
Bastam poucos minutos do primeiro episódio de Bad Sisters para que vejamos que não há muito o que lamentar pela morte de John Paul Williams (Claes Bang). Em um dos (muitos flashbacks) da série, o vemos no Natal sendo a encarnação mais perfeita e desprezível do típico agregado da família que é meramente suportado e que mal esconde seus preconceitos e visões abjetas de mundo, deixando toda parentela desconfortável e ofendida com seus comentários e ações racistas, machistas e misóginas. Há algo de familiar em John Paul — afinal de contas, infelizmente todos conhecemos uma pessoa como ele — , mas ainda assim, essa sequência no Natal é apenas a ponta do iceberg do quão baixo esse homem pode ser.
Se não há muito o que lamentar pela sua morte, portanto, também é compreensível porque suas cunhadas passarão o restante desses flashbacks buscando maneiras de matá-lo. É sombrio ou desconcertante? Sim, mas Bad Sisters logra êxito em andar nessa tênue linha entre o que é reprovável e o que é aceito, o certo e o errado e a comédia e o drama. Adaptação da série belga Clan, esta versão leva a história original para Dublin, onde as cinco irmãs Garvey — Eva (Sharon Horgan, co-criadora da série), Grace (Anne-Marie Duff), Ursula (Eva Birthistle), Bibi (Sarah Greene) e Becka (Eve Hewson) — lutam cada uma à sua maneira contra a sombra opressiva de John Paul, na maior parte do tempo juntas.
Dividindo-se entre presente e passado, Bad Sisters está mais interessada no passado, onde vemos o cotidiano do casamento de Grace e John Paul e as estratégias cada vez mais mirabolantes das demais irmãs em se livrar do “escroto” (termo carinhoso pelo qual o chamam) de uma vez por todas. A comédia da série nunca busca arrancar constantes risadas do espectador, mas sempre nos faz rir e pensar “será que é certo rir disso?”. Contudo, há momentos em que a narrativa é tão eficaz em nos mostrar o quanto John Paul é abusivo com sua esposa e filha Blanáid (Saise Quinn) que não há o que rir. Isso também é um mérito de Claes Bang, que consegue trazer para a tela um personagem verdadeiramente desprezível, desgraçado e odioso como poucas vezes me lembro de ter visto na TV; contudo, ele se destaca mais pelo quão humano seu personagem pode ser, nunca se portando como um tipo de monstro que só veríamos numa obra de ficção, mas sempre como alguém que encontraríamos no dia-a-dia, o que o torna ainda mais perverso.
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Do outro lado, estão Eva, Ursula, Bibi e Becka e seus planejamentos para um assassinato sempre com um toque de desastre (e gradativamente de tragédia). Cada uma das intérpretes têm seu momento de brilhar, seja nos momentos de humor ou os mais dramáticos, mas credito os maiores destaques à Sarah Greene, que faz de Bibi uma personagem assustadora, mas não sem suas feridas (inclusive físicas), e Eve Hewson, que mostra aqui que já deixou há muito de ser conhecida apenas como a filha de Bono Vox; sua Becka é a mais divertida e imatura das irmãs, e talvez por isso a mais fácil de se conectar, especialmente pelo romance complicado que desenvolve com Matt (Daryl McCormack), o qual, junto com seu estressado irmão Thomas (Brian Gleeson), está investigando a morte de John Paul para pagar ou não o valor do seguro à Grace, o que põe em risco todas as irmãs.
Embora essa investigação se desenvolva no presente, há uma sensação de que a série não consegue (ou não quer) balancear suas duas linhas narrativas. Além disso, ela talvez se beneficiaria de uma minutagem menor em seus episódios, que com cerca de 50–60 minutos podem ser cansativos em alguns momentos. Contudo, é inegável o quanto a trama nos prende, especialmente porque há uma gradativa mudança de foco que torna a obra ainda mais interessante. Em determinado momento, a pergunta deixa de ser “como as irmãs Garvey mataram esse escroto?” e se torna “quem de fato matou esse escroto?”, pois fica claro no decorrer dos episódios que muitos outros personagens possuem suas próprias razões para eliminá-lo.
E se a resposta final soa previsível, a série consegue entregar uma execução inteligente que dá a verdadeira dimensão desta resolução, soando satisfatória e catártica. Ao final, o que fica é o poderoso, ainda que falho, amor entre essas cinco irmãs, que na visão de Sharon Horgan e os co-criadores Dave Finkel e Brett Baer são de fato capazes de tudo para se protegerem. Porém, diante da figura abusiva e destrutiva que elas precisam enfrentar em John Paul, alguém pode condená-las por isso?
Nota: 4/5
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