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  • Foto do escritorDavid Shelter

Crítica | Close

A pureza da arte na dor e na tragédia

Foto: Divulgação


Enquanto crianças, quando há liberdade e às vezes sorte, somos instigados e entregues à fantasia e à imaginação, onde o mundo é aquilo que fazemos dele e nada em nossa volta tem força o suficiente para colidir com nossos ideais. Nesse curto espaço de tempo, em comparação com o restante da nossa estadia na terra, não precisamos nos preocupar com questões mundanas e supérfluas, e apenas nos entregamos àquilo que nos apraz. No entanto, há um período na vida humana, ali pelo final da infância quando entramos na puberdade, em que nos tornamos mais suscetíveis aos deslumbramentos por novas descobertas e onde as reações ao redor começam a nos afetar de maneira mais profunda e até perversa, em boa parte das vezes, onde passamos a ter mais consciência de como é o convívio em sociedade e, pela inexperiência, acabamos sendo afetados de formas que não podemos controlar nossas próprias condutas.


Quando se sai do seu ambiente de conforto em que pode ser livre para agir como te agrada, e cai em um local novo onde não há o costume de ver suas ações com a mesma naturalidade que você mesmo, tudo muda de figura, independente do quão satisfeito seja com seu jeito de viver. Existem diversos preconceitos enraizados na sociedade que são disseminados já no início das nossas vidas, e fazem com que algumas pessoas o repassem adiante em decorrência de ver algo diferente daquilo que se tem convívio diário. Se tratando de pessoas que crescem longe da heteronormatividade, essa estranheza se eleva mais e tudo é encarado de forma torta e enxergada com certa maldade, e assim se cria um mundo em que não pode haver proximidade sincera e desprovida de interesses terrenos e corrompidos entre dois garotos.

Foto: Divulgação


Close, dirigido por Lukas Dhont, que o escreveu juntamente a Angelo Tijssens, nos apresenta Leo e Remi, dois pré-adolescentes que cresceram juntos num local mais afastado da zona urbana e iniciam juntos a vida numa nova escola. Longe dos olhares maliciosos, os dois garotos têm uma relação de cumplicidade em que compartilham o mundo um do outro sem qualquer ressentimento ou intenções secundárias. A introdução do longa nos mostra uma ambientação de segurança e inocência entre os dois, em que nada parece afetá-los e onde ambos demonstram ser o que podem ser naquele momento, sem qualquer pressão ou cobrança social, ou familiar. São apenas dois garotos coexistindo juntos.


Contudo, quando os dois são levados a um novo ambiente escolar, as percepções vão se alterando para ambos, que com a exposição a fatores externos, tornam-se mais sensíveis às reações de seus semelhantes. Enquanto um se fecha, o outro se machuca por não ter a mesma recepção ao que se é dito ou feito. O roteiro nos permite permear pela história dos dois e apreciar a sutileza de como tudo acontece. Não há necessidade de atos exagerados ou uso de palavras explícitas para que seja compreendido o que se passa em tela, são os detalhes que nos causam toda a dor e nos permite sentir cada emoção que aqueles personagens estão sentindo. Eden Dambrine e Gustav de Waele, responsáveis por interpretar Leo e Remi, respectivamente, nos entregam atuações com naturalidade e também uma força magnética. Ambos demonstram aptidão para repassar os sentimentos que seus personagens precisam expor, que nos deixa em suspense e nos leva a crer que aquilo ali é tão real que não podemos ter outra reação a não ser a de sentir um doloroso aperto no peito.

Foto: Divulgação


Somado a uma fotografia singela, locações belíssimas e uma trilha sonora tímida, mas reconfortante, temos uma obra que foi pensada do início ao fim com o propósito de emocionar pela simplicidade. Lukas Dhont tem uma mão pesada e, ao mesmo tempo, suave sobre como dirigir as cenas, e entrega um trabalho muito bem feito que não se perde em nenhum instante. Todo o foco está no enredo e nas emoções, e não há sequer um instante em que isso não é notado, desde o ato mais simples de um sorriso ao desespero da dor e da perda. É um trabalho tão suntuoso que, após assistir, se passarão meses e ele ainda ficará marcado nas lembranças e ainda estaremos o digerindo como se o tivéssemos visto horas atrás.


A magia dele também está em conseguir reproduzir com exatidão a vivência de milhares de garotos que crescem precisando se resguardar para não sofrerem. Ele explora a dor em diversas nuances e em diversos sentidos da palavra, não poupa seus personagens e nem o público, é um soco certeiro até no coração mais duro. Ao mesmo tempo, é também uma obra de arte linda que encanta pelo seu visual, sua magnitude e pela sua execução. É um filme pensado para te fazer querer passar horas e horas absorvendo e falando sobre ele enquanto também lhe tira todas as palavras. É reflexivo, bonito, bem feito, mas acima de tudo, doloroso.


Nota: 4,5/5

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