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Crítica | Foi Apenas um Acidente (Mostra de SP 2025)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 30 de out.
  • 2 min de leitura

Jafar Panahi explora sua complicada relação com seu país natal num dos filmes mais importantes do ano

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Foto: Reprodução


Grande vencedor da Palma de Ouro em Cannes neste ano, Foi Apenas um Acidente é o tipo de obra que já nasceu emblemática antes mesmo de se assisti-la. Feito após a última detenção de seu diretor, Jafar Panahi – apenas a mais recente de uma série de prisões que marcam sua complexa relação com o governo iraniano –, o filme foi gravado em segredo, sem a permissão do governo. A natureza subversiva da sua produção se estende para a sua narrativa, que aborda um grupo de ex-prisioneiros políticos que se veem às voltas com a decisão de se vingarem ou não de seu torturador quando o reencontram.


É difícil não traçar paralelos entre a situação vivida pelos personagens e o(s) próprio(s) período(s) que Panahi passou na prisão. Um dos grandes debates trazidos no filme é até que ponto se deve responsabilizar o indivíduo ou todo um sistema que forja esses indivíduos. O grupo de protagonistas é unido a partir do trauma comum, revelado em poderosos e contundentes monólogos, mesmo quando mais didáticos. Panahi não tem intenção de ser sutil e, ao passo em que essa falta de sutileza faz do longa desavergonhadamente agressivo em sua crítica, também dilui um tanto do impacto da narrativa, quando os sentimentos e debates são reduzidos apenas ao que sai da boca dos personagens.

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Foto: Reprodução


O diretor é muito mais eficaz na construção de uma atmosfera crua e também um bocado imprevisível, saltando entre essa espécie de thriller “neorrealista” e uma comédia de erros, como quando os personagens acabam se vendo forçados a ajudar a esposa e filha do torturador. Os instantes de humor, mesmo que não tão frequentes dentro da obra, servem de respiro quando o clima se revela pesado demais, mas Panahi também não se acanha de nos acertar com socos no estômago quando necessário.


O melhor exemplo disso é a sequência final, mais de 10 minutos de um plano-sequência onde vítimas e algoz enfim se digladiam. É nesse momento que o texto de Panahi alcança o brilhantismo, justamente pela maneira como é articulado com sua direção (a ausência de cortes, o banho de luz vermelha promovido pela fotografia, as performances dos atores), rendendo um daqueles finais que ficam na sua cabeça por muito tempo. Como se não bastasse, ainda temos um epílogo onde a estaticidade do plano mais um trabalho simples de som rendem uma última cena ambígua e poderosa, que eleva ainda mais o filme.


É assim que Foi Apenas um Acidente expõe toda a sua força, constituindo-se como um exemplar do cinema inegavelmente político de Panahi e um testemunho da habilidade do diretor de meter o dedo nas feridas do seu país – e até de si próprio. Que as condições adversas que o Irã impôs a ele e vários de seus colegas tenham feito florescer um dos cinemas mais importantes e criativos do mundo é prova de como a arte, em sua essência política, pode impactar e desnudar a nossa realidade.


Nota: 4/5


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