Crítica | Glória e Liberdade (Olhar de Cinema 2025)
- Vinicius Oliveira
- 16 de jun.
- 3 min de leitura
Filme brinca com as possibilidades de animação para discutir diferentes versões do Brasil, mas se vê preso ao seu discurso didático.

Único representante nordestino na Mostra Competitiva Brasileira do Olhar de Cinema, o cearense Glória e Liberdade trabalha com um dos meus conceitos favoritos da ficção: as realidades alternativas. Ambientando-se numa versão do Brasil cujas regiões Norte e Nordeste foram fracionadas em países independentes após o êxito de revoltas que ocorreram na vida real (a saber: a Cabanagem, a Balaiada, a Praieira e a Sabinada), a animação acompanha a protagonista Azul conforme ela viaja por esses quatro países, com a missão secreta de convencê-los a se unirem em um único grande país. Entretanto, não demora para ela ver que as diferenças entre essas nações, oriundas do seu passado e da maneira como se constituíram, tornarão esse processo muito mais difícil do que o imaginado.
Egressa do cinema documental, a diretora Letícia Simões não abandona essa formação ao construir o longa, mesmo que estejamos diante de uma ficção científica. O próprio fato da protagonista ser ela mesma uma documentarista permite que a vejamos numa posição mais passiva e observadora na sua jornada, pelo menos nos três países iniciais: uma nação indígena equivalente ao Pará; um país comunal onde antes foram o Ceará, Maranhão e Piauí; e o Reino Unido de Pernambuco, que engloba também Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Diferentes figuras guiam Azul por tais nações tão distintas entre si, e um acerto do filme reside em não simplificá-las, apresentando mesmo dentro de sua curta duração as contradições que regem esses países, especialmente em termos de classe e raça. O uso de diferentes traços de animação para retratar cada país também se revela o acerto primordial da obra, ainda que seja perceptível uma desconexão entre os do primeiro bloco com os dos demais (que foram dirigidos por um único diretor de animação). Mesmo diferentes entre si, os três blocos subsequentes conseguem criar uma coesão interna entre si mais eficaz do que com o país que outrora foi o Pará.
Entretanto, mesmo com as possibilidades que carrega por se configurar dentro do âmbito da animação, Glória e Liberdade se vê vítima e refém do seu próprio discurso. Há uma constante reiteração dos mesmos pontos, seja na narração em off de Azul, seja nos comentários feitos pelos personagens que a acompanham na sua jornada, ou até mesmo nos créditos finais, sobre como as distinções entre esses países refletem as problemáticas das quais o Brasil não consegue se livrar até hoje. Esse didatismo parece reflexo da lógica documental que o filme assume, mas é como estarmos vendo mais uma aula de história (alternativa) do que um filme propriamente dito.

Quando ele enfim parece buscar criar uma narrativa para si, ao chegar na Bahia (o último dos quatro países e terra natal de Azul), esse discurso se torna ainda mais confuso e mal gerenciado, especialmente na maneira como posiciona a protagonista e sua família dentro desse contexto sociopolítico. Além do mais, é estranho que de todos os estados do Nordeste apenas Sergipe seja ignorado, uma omissão intrigante num filme que, dentre outras causas, também intenta advogar pela pluralidade da região.
Não há dúvidas de que Glória e Liberdade está carregado de boas intenções e de um discurso contundente que mostra como a história deste(s) Brasil(s) está manchada do sangue dos povos originários, dos escravizados africanos e do povo comum. Entretanto, mesmo tendo em mãos a possibilidade de trabalhar essas realidades tão contraditórias – e ocasionalmente fazer isso, muito pela potência da imagem animada –, o filme se conforma em proclamar o seu discurso a plenos pulmões, da maneira mais expositiva possível, como se receoso de usar a riqueza da animação para dizer isso por nós.
Nota: 2.5/5