Crítica | Torniquete (Olhar de Cinema 2025)
- Vinicius Oliveira
- há 3 dias
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Direção vigorosa de Ana Catarina Lugarini e as atuações marcantes de Marieta Severo e Sali Cimi impressionam, mas não impedem o filme de sair do campo da alegoria.

A princípio, Torniquete se configura como uma espécie de thriller. Com um trabalho de som imersivo e opressivo, somos lançados de cabeça no terror que Lucinda (Marieta Severo), sua filha Sônia (Renata Grazzini) e sua neta Amanda (Sali Cimi) estão vivendo diante de um roubo à sua casa. Esses minutos iniciais sufocantes e desorientadores são talvez a melhor abertura dentre os filmes que vi no festival até agora, e mostram que Ana Catarina Lugarini está bem segura de como conduzir seu longa-metragem de estreia.
Apesar dessa percepção inicial, porém, o filme se converte em uma espécie de estudo dramático de personagens, centrando-se nos efeitos dessa violência sobre as três mulheres. Ou melhor: duas, pois é flagrante a maneira como Sônia é subutilizada no decorrer da obra, ao passo em que vemos o desenrolar da relação entre Lucinda e Amanda a partir do evento traumático que as atinge. Marieta Severo dispensa apresentações, construindo uma personagem endurecida e um tanto desiludida, mas Sali Cimi se mostra uma grande revelação, compensando a fisionomia pouco convincente de adolescente com uma interpretação marcado por um rosto e olhar expressivos, que dá à personagem as nuances mais bem trabalhadas pelo filme, especialmente pela maneira como se aproxima da avó.
Toda vez que Torniquete se volta para essa relação entre as duas personagens, pode se ver nele o potencial que sua abertura e a direção subsequente de Lugarini (com planos mais fechados e tomadas longas que valorizam a corporalidade das personagens) prometem. Entretanto, mesmo com toda a segurança e habilidade de Lugarini na direção, o filme se vê tão preso às suas alegorias sobre violência sexual e de gênero que não tem ímpeto para ir além disso, de modo que, a despeito da já referida dinâmica de Lucinda e Amanda, é difícil saber para onde está indo. O mais frustrante é que, quando ele oferece uma cena que parece ser uma virada poderosa na narrativa, simplesmente acaba. É um final tão abrupto que nos desestabiliza e nos deixa querendo por mais, mas pelos motivos errados: é como se parte significativa do filme tivesse ficado para trás na sala de edição, a porção onde ele nos diria a que veio para além de seus subtextos.
Inegavelmente, Torniquete mostra em Ana Catarina Lugarini uma promessa na direção, além de reforçar os talentos da grande Marieta Severo e revelar Sali Cimi como uma páreo para a veterana atriz. Mas o filme parece se esconder por trás das suas alegorias, tímido para ir além disso, o que ainda é sintomático de uma espécie de cinema nacional que acha que metáforas e subtextos bastarão para tornar um filme “importante” ou “necessário”. Não bastarão, mas pelo menos é possível ver em Lugarini o espaço para que sua filmografia subsequente saberá transcender essa barreira do nosso audiovisual contemporâneo e entregar obras que abracem plenamente seu potencial.
Nota: 3/5