Crítica | Jay Kelly (Mostra de SP 2025)
- Vinicius Oliveira

- 31 de out.
- 3 min de leitura
A simpática ode de Noah Baumbach a George Clooney

Foto: Reprodução
Se tem uma coisa que Hollywood adora fazer é filmes sobre si mesma. Desde pelo menos a década de 1950, com produções como Crepúsculo dos Deuses e Cantando na Chuva, diversos são os filmes que usam de artifícios metalinguísticos – com atores e atrizes interpretando versões de si mesmo ou de outras estrelas – para refletir (ou criticar, ou satirizar) as engrenagens internas dessa indústria bilionária e seus efeitos sobre aqueles que a fazem funcionar.
Não raramente vê-se algumas dessas produções girando em torno de um ator/atriz que assume um caráter reflexivo quanto à sua própria carreira. Desde os primeiros minutos, Jay Kelly se enquadra nesse tipo de caso, existindo antes de tudo como uma vitrine para que George Clooney atue como o protagonista homônimo, mas também projete a si mesmo – ou melhor dizendo, sua persona pública e sua carreira – sobre o personagem.
Às vezes isso se dá por caminhos óbvios – como a cena em que ele repete os nomes dos seus ídolos, como Gary Cooper e Cary Grant (esse para mim sendo o grande equivalente à figura de Clooney em seu tempo, até mesmo fisicamente) – ou a minutagem final que extrai trechos da própria filmografia do ator para representar a do seu personagem. Mesmo a discussão sobre se há uma alma por trás desse belo e envelhecido rosto é muito sintomática da maneira como Clooney foi reduzido à figura de galã por décadas, ainda que alguns dos seus papéis mais celebrados tenham vindo das suas atuações mais desafiadoras, incluindo o seu Oscar por Syriana.

Foto: Reprodução
Apesar disso, é perceptível que Noah Baumbach, diretor e corroteirista do longa, está muito consciente de que o público sabe que Clooney é Kelly e vice-versa, oferecendo também diferenças substanciais (como a relação do personagem com suas filhas, vividas por Grace Edwards e Riley Keough). Mas na maior parte do tempo, saber ou perceber esse fato não se revela um problema em si, já que personagem e intérprete são usados também para expressar comentários gerais sobre a fama e a natureza existencial do ofício de atuar, como na ótima cena em que Kelly encontra um ex-colega ou em alguns dos seus flashbacks.
É claro que, sendo essa produção hollywoodiana sobre a própria Hollywood, Jay Kelly não se furta a trazer um elenco estelar desde os papéis maiores até aparições especiais. Adam Sandler assume quase o posto de coprotagonista da obra como o empresário e melhor amigo de Kelly, Ron, e a amizade dos dois personagens (bem como as tensões decorrentes) é um dos grandes motores do filme. Mas também vemos Laura Dern, Greta Gerwig (esposa e parceira de Baumbach), Billy Crudup, Emily Mortiner (corroteirista do longa junto com Baumbach), Jim Broadbent, Patrick Wilson, Alba Rohrwacher, Stacy Keach, Isla Fisher e tantos mais. Mas apesar desse desfile de estrelas, o filme parece muito mais interessado na jornada de desconstrução e reconstrução do seu protagonista – e provavelmente também do seu intérprete.
Jay Kelly não quer reinventar a roda; sabe que não vai agregar a este subgênero dizendo nada que já não tenha sido dito antes (inclusive por filmes muito melhores). Na verdade, o texto de Mortimer e a direção de Baumbach são muito mais dispostos a expressar simpatia por Kelly, mesmo que o personagem nem sempre seja merecedor dessa simpatia. É um olhar terno, quase nostálgico e, se nem sempre acerta em conferir a devida humanidade ao seu protagonista, permite que demos uma espiadinha para além da sua persona e ver partes da sua alma. Quando Clooney quebra a quarta parede na última cena, isso significa que também estamos vendo sua alma? Difícil saber e talvez não importe tanto, porque é nessa tênue linha entre realidade e ficção que o filme se ancora e consegue oferecer seu diferencial em meio ao mar de produções semelhantes.
Nota: 3/5





