Crítica | Depois da Caçada (Festival do Rio 2025)
- Guilherme Salomão

- 4 de out.
- 3 min de leitura
Após Rivais e Queer, Luca Guadagnino muda a rota e substitui o lado intenso do humor e da sexualidade de seus personagens pelo debate moral robusto

Foto: Divulgação/Amazon MGM Sony Pictures Brasil
Luca Guadagnino vem trabalhando com uma constância bem satisfatória para os fãs do seu trabalho. Em 2024, foram dois filmes em sequência, o elogiado Rivais e Queer — que, diferente do primeiro, acabou ofuscado em meio aos lançamentos do último ano. Agora, o terceiro filme em sequência do cineasta é Depois da Caçada. Com lançamento agendado para outubro nos cinemas brasileiros, ele chega ao Festival do Rio de 2025 como longa escolhido para a gala de abertura após ser parte da seleção oficial do último Festival de Veneza.
Talvez o grande destaque de Depois da Caçada enquanto filme esteja em seu discurso. Não é como se as realizações anteriores do italiano fossem vazias de sentido ou conteúdo. Porém, nessa nova empreitada, o diretor parece se colocar em um lugar de seriedade que vai além do humor ou dos maneirismos com as imagens de um sucesso como Rivais.
O roteiro de Depois da Caçada, assinado por Nora Garrett, levanta uma discussão interessante sobre dilemas morais e cultura do cancelamento. Na trama, Alma (Julia Roberts), uma renomada professora de filosofia na Universidade de Yale, nos EUA, se vê no centro de uma crise ética e pessoal quando uma de suas alunas mais próximas, Maggie (Ayo Edebiri), acusa outro professor, Hank (Andrew Garfield), de violência sexual.
É na personagem de Roberts que mora, de forma geral, a dualidade moral mencionada. Apoiar um colega de trabalho com quem teve um caso no passado e ainda sente certa atração ou a jovem estudante que a admira de forma quase suspeita pela professora? Estaria a jovem mentindo para contornar uma acusação de plágio do professor? Enquanto se mantém em uma relação distante em todos os sentidos de seu marido (Michael Stuhlbarg) - um terapeuta que, em meio a discussões filosóficas, mais parece interessado no isolamento por meio da música - as consequências de apoiar qualquer um desses lados, para Alma, aparentemente, seriam negativas.

Foto: Divulgação/Amazon MGM Sony Pictures Brasil
Entretanto, mais tarde, descobrimos que é como se o caso de Hank e Maggie fosse ainda mais pessoal para a personagem de Julia Roberts. Aqui, a verdadeira ferida que a situação toca é fazê-la reviver antigas cicatrizes e fantasmas. Alma viveu praticamente uma vida inteira carregando uma culpa reprimida pelo destino que um interesse amoroso mais velho, quando ela ainda era uma adolescente, tivera por consequência de suas ações.
Assim, logo nos primeiros instantes da projeção um som de tique-taque de relógio marca o ritmo dos acontecimentos enquanto acompanhamos o início da rotina da personagem. Esse mesmo som, mais a frente, volta a “assombrar” a protagonista em momentos distintos. Além disso, ela convive com dores intensas de uma doença. É, então, como se a personagem tivesse uma bomba-relógio dentro de si mesma - que não demora, por sua vez, a eclodir.
Ao final, entretanto, Guadagnino faz questão de deixar no ar as respostas para seus questionamentos. A eclosão não resulta em uma resposta enfática para a situação Maggie e Hank. Podem ambos os lados estarem errados. Apesar do discurso, após os momentos finais, ficar mais sugestivo para o lado de Maggie e da ausência de culpa de Alma pelo seu passado, nada é tão preto no branco para o emaranhado de discussões que Depois da Caçada propõe.
O conteúdo e debate da obra, portanto, são tão válidos quanto relevantes. Mas podem frustrar já que esse não é o Luca Guadagnino alinhado ao que estamos acostumados. O diretor, por vezes, está tão focado no discurso que parece ter se esquecido do resto. Seu estilo ainda se faz presente no uso mais rebuscado das cores e sombras, quando a câmera foca em toques físicos singelos entre os personagens ou em enquadramentos mais estilizados em momentos tensos, como quando a câmera se agarra ao rosto dos atores, tirando o máximo de intensidade de suas performances.
É quando lida com a apreensão intrínseca a todo o cenário proposto, de revelações, reviravoltas e embates entre seus protagonistas, em que o italiano encontra bons momentos. Porém, ainda soa como presunção de um cineasta melhor quando o assunto é um filme como Me Chame Pelo Seu Nome ou Rivais. A intensidade de Guadagnino é mais bem-vinda quando o assunto são momentos intimistas ou a sexualidade que transborda na tela por meio do desejo dos seus personagens, do que quando o assunto é provocar o espectador com uma verborragia mais sisuda.
Nota: 3/5





