Crítica | The Mastermind (Festival do Rio 2025)
- Guilherme Salomão

- 3 de out.
- 3 min de leitura
Kelly Reichardt subverte lógica do filme de roubo em detrimento de uma comédia, fazendo do fracasso um caminho crescente de erros que culminam em absurdo

Foto: Divulgação
Concorrente à Palma de Ouro no Festival de Cannes 2025, The Mastermind marca o retorno da diretora e roteirista norte-americana Kelly Reichardt (First Cow) após Showing Up, de 2022. O filme, agora parte da seleção internacional do 27º Festival do Rio, narra a história de JB Mooney (Josh O’Connor), um carpinteiro e chefe de família que, em busca de fazer dinheiro, planeja um roubo audacioso a um museu em Massachusetts, nos anos 70.
The Mastermind é um longa que, logo de início, já remete bastante ao estilo de sua diretora: o cuidado e a paciência em construir momentos intimistas, que permitem ao espectador se aproximar de seus personagens, com sequências compostas por planos longos e atentos de forma paciente a detalhes corriqueiros dentro do contexto da obra.
Tratando-se, inicialmente, de um filme de roubo, talvez não seja muito atrevimento notar como a lógica de Reichardt, desde o começo, remete ao cinema de Robert Bresson. Nos primeiros momentos de The Mastermind, o protagonista vivido por Josh O’Connor executa os primeiros passos do roubo que planeja. O minimalismo e a cautela da cineasta na direção e na montagem - que intercala, por exemplo, planos fechados nas ações dos personagens com outros gerais de ambientação - evocam justamente a sensação do típico filme centrado na minuciosidade de um plano perfeito que, dificilmente, sairá de controle.
De Um Condenado à Morte Escapou (1956) a O Batedor de Carteiras (1959), há algo de Bressoniano nas intenções da cineasta norte-americana. Até a caracterização do JB Mooney de O’Connor é bastante próxima à de Michel, vivido por Martin LaSalle no clássico de 1959 do cineasta francês. Poucas palavras, ombros arriados e expressão fechada aproximam os dois personagens que, em ambas as obras, mesmo que por meios distintos, sentem a necessidade de validação dentro de seus objetivos individuais. Enquanto no filme de Bresson Michel utilizava os roubos para provar seu ponto de ser um homem superior, Mooney parece sentir mais a necessidade extrema de admiração e validação de seus familiares, incluindo o pai (Sterling Thompson) e a esposa (Alana Haim).

Foto: Divulgação
Portanto, é justamente na ideia de subverter essa lógica que o filme de Kelly Reichardt encontra sua força. Se era um filme de roubo planejado por uma mente brilhante, não demora até que as coisas saiam de controle e degringolam até que The Mastermind se torne um exemplar de comédia de erros. O que antes parecia bressoniano e meticuloso, se converte no mais desengonçado e cômico. O fracasso completo dos planos leva a um escalonamento reverso dos acontecimentos, culminando em uma reviravolta absurda com direito a final repentino e sem muitas explicações.
É uma decisão diferente, que, mais uma vez, representa a lógica de subversão na nova realização de Reichardt. Pode desagradar uma parcela do público, mas o timing cômico da cineasta e a performance de Josh O’Connor elevam o nível de The Mastermind na maior parte da projeção. E, aqui, a trilha sonora de Rob Mazurek também merece um destaque especial. Totalmente em ritmo de jazz, ela conduz com elegância tanto o lado meticuloso quanto o cômico, por meio de acordes e batidas requintadas do gênero.
O tempo passa com leveza e, no fim das contas, o desfecho carrega uma certa beleza, equilibrando humor e melancolia. No fundo, JB Mooney não queria se provar superior, só queria ser admirado. E o que o filme de Kelly Reichardt consagra é uma comédia sobre um indivíduo comum que viu todos os seus planos (ou a ausência deles) irem por água abaixo. Sem a necessidade de delongas ou finais “redondos”.
Nota: 4/5





