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Crítica | Dias Perfeitos (Minissérie do Globoplay)

  • Foto do escritor: Gabriella Ferreira
    Gabriella Ferreira
  • 29 de ago.
  • 4 min de leitura

Entre o desconforto e a tensão do desejo doentio.

Imagem: Divulgação
Imagem: Divulgação

Finalizada na última quinta-feira (28) no Globoplay, a minissérie Dias Perfeitos marca mais uma adaptação da obra de Raphael Montes, que já emplacou sucessos como Bom Dia, Verônica (2020-2024), Uma Família Feliz (2024) e a novela Beleza Fatal (2025). Nesta obra em questão, vivemos durante os oito episódios uma experiência tão instigante quanto desconfortável. Desde o seu início, a narrativa conduz o espectador para dentro de uma trama sufocante.


Dias Perfeitos conta a história de Téo (Jaffar Bambirra), um estudante de medicina solitário que se apaixona obsessivamente por Clarice (Julia Dalavia), jovem aspirante a roteirista. Diante da recusa constante da garota, ele a sequestra e a leva em uma perturbadora viagem pelo Rio de Janeiro, obrigando-a a escrever o roteiro idealizado por ele enquanto tenta manter o controle sobre a situação.


Num primeiro momento, a minissérie se destaca por alternar os pontos de vista dos protagonistas, recurso que amplia a complexidade da história ao expor tanto a mente obsessiva de Téo quanto o desespero e a resiliência de Clarice. Essa escolha, no entanto, perde intensidade em alguns momentos, quando entram em cena núcleos coadjuvantes que não dialogam diretamente com o arco central. Esse desvio se torna mais evidente à medida que a narrativa se afunila para o seu ápice, enfraquecendo a tensão que deveria permanecer concentrada nos dois personagens principais.


O mais interessante também é que, do ponto de vista de Téo, tudo é distorcido e a relação com Clarice parece um ideal, crença que é desmentida pela inserção da perspectiva da protagonista na série, revelando os efeitos dos abusos físicos e psicológicos sofridos por ela. Sob a direção de Joana Jabace, a minissérie não apenas altera a forma como a história é contada em cada episódio, mas também, com a adaptação da roteirista Cláudia Jouvin, cria um desfecho diferente do livro, oferecendo ao público uma conclusão própria da narrativa televisiva.


Nas atuações, Jaffar Bambirra constrói um Téo inquietante, cuja transição da aparente fragilidade para a obsessão doentia é marcada por nuances precisas. Julia Dalavia, por sua vez, dá corpo a uma Clarice intensa e multifacetada, transmitindo medo, revolta e resistência em uma performance visceral. O confronto entre os dois é o núcleo pulsante da narrativa, mas os coadjuvantes também têm seus momentos de destaque, ajudando a ampliar a atmosfera de tensão, ainda que nem sempre em sintonia com o arco central.


A estética de Dias Perfeitos reforça o clima de tensão que perpassa toda a narrativa. A direção opta por enquadramentos claustrofóbicos e planos próximos, criando a sensação constante de confinamento e sufocamento vivida por Clarice. A fotografia privilegia tons sombrios e contrastes sutis, que refletem a dualidade entre o olhar obsessivo de Téo e o desespero da protagonista. A trilha sonora atua de forma pontual, reforçando momentos de impacto e aumentando a imersão do espectador na atmosfera desconfortável da série. Cada elemento técnico trabalha em conjunto para sustentar o suspense psicológico, tornando a experiência audiovisual intensa e perturbadora.

Imagem: Divulgação
Imagem: Divulgação

Apesar da intensidade da trama, Dias Perfeitos nem sempre consegue sustentar a suspensão da descrença. Alguns desdobramentos e decisões dos personagens soam inverossímeis, especialmente nos momentos em que a série se dedica à investigação, às cenas na ilha e à reação dos pais de Clarice, que oscila rapidamente entre descaso e preocupação. Essas inserções, embora adicionem camadas à narrativa, acabam fragmentando a tensão e tornando certos acontecimentos menos críveis do que a proposta principal exigiria. Diferentemente do livro, que mantém a mesma história mas organiza os acontecimentos e motivações com maior consistência, a adaptação televisiva perde parte da coerência narrativa que torna a obra literária tão envolvente.


No último episódio, a minissérie altera a trama do livro ao oferecer um desfecho mais “justo” e até certo ponto feliz para Clarice, dando à protagonista um novo destino. Diferentemente do final literário, que é desconfortável, violento e cru, mas que não “passa pano” para as atitudes de Téo, abraçando o terror como gênero e deixando o leitor imaginar a conclusão, a adaptação busca atender ao público de streaming, que costuma esperar ver o vilão punido, seguindo aquela sensação de justiça narrativa tão comum no audiovisual.


Apesar de a mudança ser compreensível e até bem-vinda para o público geral, a série perde parte da força do livro em seu desenvolvimento. A conclusão acontece de forma rápida e, em alguns momentos, pouco crível. Todo o arco de Clarice recuperando a memória com o uso de um alucinógeno, seguido de sua ação para drogar Téo, soa inverossímil e fragiliza a tensão construída ao longo da trama. A minissérie entrega um final satisfatório, mas em termos de narrativa, a adaptação não consegue manter a consistência e a intensidade da obra original.


No fim, Dias Perfeitos é uma minissérie que desafia e incomoda, explorando obsessão, abuso e os limites da moralidade humana. Apesar de oscilar em coerência narrativa, a produção se sustenta pelas performances marcantes, pela direção cuidadosa e pela atmosfera tensa. Mais do que simplesmente adaptar o livro de Raphael Montes, a série propõe uma leitura própria da história, mantendo o espectador preso à tensão e ao desconforto, mesmo quando toma caminhos inesperados. É uma obra que deixa sua marca, provocando reflexão sobre violência, poder e obsessão, e reafirma o potencial do thriller psicológico brasileiro na era do streaming. Nota: 3.5/5


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