Crítica | Fundação (3ª temporada)
- Vinicius Oliveira

- 13 de out.
- 4 min de leitura
Novo ano não corrige todos os problemas da série, mas reforça sua posição como uma das mais instigantes produções de ficção científica da atualidade – e a mais grandiosa

Foto: Reprodução/ AppleTV
Mesmo em sua trôpega primeira temporada, Fundação nunca se acanhou de usar um senso de escala grandioso e épico para dar vida à atemporal saga de Isaac Asimov, mesmo adaptando-a em seus próprios termos – nem sempre muito bem-sucedidos. Corajosamente, a série se assumiu como uma espécie de antologia, o que fica evidente mais uma vez neste novo ano, que se passa 150 anos após a temporada passada.
O que talvez diferencia esta nova temporada em relação às anteriores é a presença de uma figura antagonista mais definida, personificada no telepata Mulo (Pilou Asbæk), o qual se revela uma ameaça tão aterrorizante à galáxia – como evidenciado na primeira cena da temporada – que leva ao inimaginável: a possibilidade de uma aliança entre a Fundação e o Império. Claro que isso não ocorre de forma linear, já que diferentes grupos lutam uns com e contra os outros pelos seus próprios interesses, seja Gaal Dornick (Lou Lloubell) agindo em prol da Segunda Fundação, ou os três imperadores-clones Amanhecer, Dia e Crepúsculo (Cassian Bilton, Lee Pace e Terrence Mann, respectivamente), mais desunidos do que nunca enquanto sua conselheira-robô Demerzel (Laura Birn) luta de todos os modos para salvar sua dinastia.
Há muitos núcleos e novos personagens – como o casal Toran (Cody Fern) e Bayta Mallow (Synnøve Karlsen); Quent (Cherry Jones) a embaixadora da Fundação nos domínios do Império e que cultiva uma curiosa relação com o Irmão Crepúsculo; Hal Pritcher (Brandon P. Bell), capitão de informações da Primeira Fundação que está ligado a Gaal; Magnificus Gigantus (Tómas Lemarquis), baladista do Mulo; dentre outros. Como antes, esta temporada de Fundação não se acanha de “recomeçar” a história com estas novas linhas narrativas, ainda que leve muito em consideração o que veio antes através de flashbacks ou dos personagens que se mantêm fixos a cada temporada. Isso exige um esforço por parte do espectador para se situar em relação ao que está acontecendo, e a série até cai num certo didatismo (em especial com as narrações em off de Gaal) para nos aclimatar a este novo período da história.
Uma vez que as tramas engrenam e as conexões entre os personagens são estabelecidas, porém, é impossível não ser fisgado pelo encadeamento narrativo e a construção de mundo. Evidentemente, algumas tramas são mais interessantes que as outras, mas essa temporada seja talvez a mais equilibrada em relação aos seus núcleos, especialmente porque não tarda para que eles se unam ou convirjam conforme a história progride. Reflexo disso está no papel de Gaal nessa temporada: se antes a personagem estava costumeiramente mais isolada dos outros núcleos, mesmo sendo a coprotagonista da série junto com Hari (Jared Harris, menos presente aqui, mas sempre brilhante), aqui ela assume um protagonismo maior conforme sua personagem assume uma posição central na luta contra o Mulo, mesmo que o texto nem sempre pontue bem as maneiras pelas quais ela mudou e amadureceu nos 150 anos que separam essa temporada da anterior.

Foto: Reprodução/ AppleTV
Percebe-se também uma fragilidade na própria construção do Mulo, mesmo que ela tivesse sido pincelada na temporada passada, já que ora ele é apresentado como um vilão invencível, ora é “nerfado” para justificar as maneiras como outros personagens escapam dele ou o enfrentam. Não ajuda muito a maneira como Asbæk parece em alguns momentos repetir seu Euron Greyjoy de Game of Thrones, com uma atuação que beira o caricato na tentativa de impor um senso de ameaça do personagem aos devidos núcleos, ainda que ele convença muito bem em sequências onde sua postura contida é muito mais assustadora (como a envolvendo uma criança no segundo episódio).
Mais uma vez, onde a série brilha é no núcleo dos imperadores e de Demerzel. Laura Birn oferece mais e mais nuances à sua robô milenar, incorporando os dilemas e conflitos centrais da série (humanidade, livre-arbítrio, ética e moral) à medida que sua Demerzel é posta à prova pelas escolhas dos personagens que a cercam e por tudo que ela viveu e fez. Já Pace, Bilton e Mann têm mais uma vez a chance de oferecer novas versões aos seus Cleons, e acertam em cheio: Pace faz um Irmão Dia que à princípio parece um Jesus hipster desinteressado no trono que ocupa, mas evolui para demonstrar perspicácia e clareza enquanto desvenda alguns dos principais mistérios deste universo; Bilton oferece uma encarnação amadurecida do Irmão Amanhecer que, na tentativa de ser melhor e mais justo que os irmãos, acaba encontrando sua própria queda; e Mann tem o trabalho mais difícil, já que seu Irmão Crepúsculo evolui (ou regride) de um homem sábio para um tirano em franca deterioração, que traz sobre sua dinastia a tragédia que se previa desde o começo da série.
No campo estético e técnico, a série segue sendo um primor de encher os olhos, com um dos melhores usos de CGI na televisão atual – mesmo que em um ou outro momento se perceba um nível um pouco mais baixo, como se o orçamento estivesse mais reduzido. Mas não é só através dos efeitos visuais que a série nos impacta com a sua grandiosidade, mas também com os trabalhos de direção de arte e figurinos, que conseguem ilustrar a variedade de povos, espaços e mundos através da galáxia, tanto em planos abertos quanto nos espaços mais fechados (tudo que envolve o palácio dos Cleon em Trantor sempre me deixa deslumbrado). É um feito hercúleo que, se não necessariamente nos distrai dos problemas do texto, evoca sensações e uma atmosfera intencionalmente pensadas para nos transportar para este futuro glorioso e assombroso.
A terceira temporada de Fundação ainda incorre em alguns tropeços que já tinham sido vistos nas temporadas anteriores e que dificilmente sumirão conforme a série avançar em direção ao futuro – ainda que seu chocante final nos faça pensar que não veremos um salto temporal tão grande para a próxima temporada. Ainda assim, é um tipo de espetáculo cada vez mais raro na TV, mesmo em meio às avalanches de franquias que abundam nos streamings e se anunciam como “cinema” ao invés de “televisão”. Nem sempre esse senso de espetáculo está devidamente alinhado com as complexidades da história contada, mas não resta dúvidas de que esta temporada reforça mais uma vez a capacidade da série de ser uma das mais ousadas e instigantes obras de ficção científica em exibição na atualidade – e sem sombra de dúvidas a mais grandiosa.
Nota: 3,5/5





