Crítica | O Filho de Mil Homens (Mostra de SP 2025)
- Vinicius Oliveira

- há 9 horas
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Daniel Rezende presta reverência à obra de Valter Hugo Mãe em filme sensível, mas irregular

Foto: Reprodução
Quando os créditos de O Filho de Mil Homens começam a subir, as primeiras palavras vistas após o título são: “dirigido, escrito e sonhado por Daniel Rezende”. Isso, atrelado às palavras apaixonadas e emocionadas do diretor na abertura da sessão, indicam a natureza profundamente pessoal deste projeto para ele, que afirma ter ouvido de muitos o quanto o livro original, do escritor português Valter Hugo Mãe, era considerado “inadaptável”. Como é de praxe em projetos pessoais como este, a paixão é sentida ao longo de toda a obra, mas também parece “cegar” o realizador para seus problemas.
A história foca inicialmente em Crisóstomo (Rodrigo Santoro), pescador de 40 anos que cresceu isolado da sociedade e agora deseja ter um filho, o qual surge na figura do órfão Camilo (Miguel Martines). O relacionamento dos dois, porém, é apenas o ponto de partida para uma narrativa não-linear que abarca outros personagens conectados a eles, como a mãe biológica de Camilo, Francisca (Juliana Caldas); Antonino (Johnny Massaro), um jovem atormentado e reprimido pela sua sexualidade; e Isaura (Rebeca Jamir), uma mulher desonrada e solitária.
Desde o início, Rezende aposta numa obra sensível e plasticamente irretocável. Seu olhar cênico sempre foi apurado, mesmo em projetos mais comerciais como Bingo – O Rei das Manhãs e os dois primeiros Turma da Mônica, mas O Filho de Mil Homens representa um apuro ainda mais intensificado, seja na razão de aspecto 4:3 (que reforça a narrativa fabular da obra), a mixagem de som que imprime as marcas da natureza – em especial o mar – como elementos centrais à obra, a construção de planos gerais e médios simétricos, ou em close-ups que reforçam a latitude dramática do elenco. É uma obra que chama a atenção para sua estética, destoando das produções feitas aos montes para a Netflix com uma imagem chapada e totalmente tratada na pós-produção e no digital.

Foto: Reprodução
O elenco efetivamente se destaca, conseguindo dar vida à voz e às palavras de Valter Hugo Mãe de uma maneira que não chega a soar artificial, mas casa com este tom de fábula e quase fantástico (ainda que esses elementos fantásticos sejam abandonados cedo demais). Entretanto, no que parece ser um esforço de manter a estrutura do romance original intacta, Rezende acaba pecando com um texto que limita o próprio filme, visto que sua estrutura narrativa não-linear desemboca em atos bastante desiguais entre si.
Isso se dá porque, por mais que o elenco se comprometa com seus personagens, o texto muitas vezes os resume a tipos, demarcados o suficiente para sustentar a mensagem do filme de que “família se escolhe”. É importante ver a representatividade a pessoas com nanismo na figura de Francisca (ainda que o desfecho da personagem pareça reforçar a visão que o filme queira combater), ou o espaço de acolhimento que Antonino e Isaura recebem na casa de Crisóstomo e Miguel. Mas afora estes dois últimos, os demais parecem menos pessoas reais e mais arquétipos de grupos. Mesmo a relação de pai e filho se vê comprometida justamente pela maneira como o filme gasta quase metade da sua duração nas demais narrativas, no desejo (nem sempre efetivamente concretizado) de conectá-las para trazer sua mensagem.
É louvável o esmero imprimido por Daniel Rezende, equipe e elenco na produção de O Filho de Mil Homens. Trata-se de um longa de inegável beleza em vários momentos, mas em outros sua pretensa sensibilidade acaba lhe traindo para dar lugar a uma certa frieza e distância, o que é reforçado pelo tratamento superficial dado aos personagens e à mensagem central da obra. Se o livro original é inadaptável eu não sei, mas talvez no esforço de trazer o máximo possível dele para dentro das telas, faltou um trato maior em termos da própria linguagem cinematográfica para tornar o filme mais vivo e humano.
Nota: 2.5/5





