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Crítica | O Último Episódio

  • Foto do escritor: Gabriella Ferreira
    Gabriella Ferreira
  • 1 de out.
  • 3 min de leitura

Memórias que só o cinema revela

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Foto: Divulgação/Filmes de Plástico


O dicionário da Universidade de Cambridge dá a definição para o termo coming of age: “o período em que alguém começa a amadurecer emocionalmente”. Na ficção, não faltam histórias que relatam esse momento da vida e recentemente, no cinema brasileiro, longas como Sem Coração e Kasa Branca trouxeram esse momento para as telas em lugares distintos no nosso país. De uma praia paradisíaca no interior de Alagoas, as ruas da periferia do Rio, embarcamos agora para Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, para conhecer Erik, Cassinho e Cristão.


Antes de tudo, vamos contextualizar: em 9 de outubro, o filme O Último Episódio chega aos cinemas de todo o Brasil. Dirigido por Maurílio Martins, da Filmes de Plástico, a trama gira em torno de um garoto de 13 anos chamado Erik que quer impressionar a menina por quem nutre uma paixão platônica, a garota nova da escola Sheila. Para se aproximar dela, ele jura que possui uma fita em casa com o episódio final do lendário desenho Caverna do Dragão. Depois de se meter nessa enrascada, ele corre contra o tempo para poder arranjar uma solução para essa pequena mentira com a ajuda de seus melhores amigos e com a câmera velha do pai que ele mal conheceu a tiracolo. 


É nos permeios de uma trama que à primeira vista parece simples que somos teletransportados para uma década repleta de nostalgia. E meu primeiro elogio para o filme é essa habilidade ímpar de te colocar exatamente em 1991. Parece que eu sentia a alegria dos personagens ao sentar na frente da TV e esperar um episódio inédito da minha série favorita ou sentia a emoção em abrir um vinil novinho, no dia do meu aniversário, da minha banda do coração. Está tudo ali, nos pequenos e nos grandes detalhes, com um carinho e um cuidado raro de quem viveu aquela época. 

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Foto: Divulgação/Filmes de Plástico


Muito disso também passa por um elenco muito talentoso e dos veteranos aos mais novos, é um deleite acompanhá-los. Outro ponto de destaque é como a direção de Maurílio Martins não se contenta apenas em evocar a nostalgia: ela a transforma em linguagem cinematográfica. A câmera passeia com liberdade pelos espaços, muitas vezes se aproximando dos rostos como quem quer captar pensamentos não ditos, e ao mesmo tempo resgata um Brasil em transformação no início dos anos 1990. Não é apenas sobre infância, é também sobre contexto: a televisão como janela para o mundo, o consumo cultural moldando sonhos, e a ausência de figuras paternas ou maternas ecoando nas escolhas dos personagens.


O Último Episódio é, portanto, muito mais do que uma história sobre uma fita perdida ou sobre o desfecho de um desenho animado cultuado. É um filme sobre afetos, descobertas e cicatrizes que acompanham o processo de crescimento. Maurílio Martins e a Filmes de Plástico reafirmam, com delicadeza e potência, que o cinema brasileiro tem muito a dizer quando olha para as nossas próprias memórias coletivas. Ao final da sessão, fica a sensação de que todos nós já fomos um pouco Erik, tentando, à nossa maneira, inventar finais que nos ajudem a atravessar a vida.


Não me julgue por evocar Taylor Swift agora, mas, em uma de suas canções ela diz “Nostalgia é uma ilusão da mente. Se eu estivesse lá, odiaria”. Essa frase ressoou em mim com força depois de assistir a O Último Episódio. Porque, no fim das contas, o filme não nos convida a voltar a um passado idealizado, mas a revisitar as contradições que moldaram nossa infância e adolescência. É um lembrete de que a memória nunca é exata: ela seleciona, inventa, mascara. E é justamente nesse espaço entre o que lembramos e o que gostaríamos de lembrar que o cinema de Maurílio Martins encontra sua beleza. E eu não odiaria nem um pouco voltar pra ela.


Nota: 4.5/5

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