Entrevista | “Gravar aqui é como revisitar a nossa história”, elenco de Corações Naufragados fala sobre o filme
- Gabriella Ferreira

 - há 3 dias
 - 10 min de leitura
 
Diretamente do set de filmagens e com exclusividade para o OP, Olivia Torres, Mina Nercessian, Rita Maia, Gabi Britto e Dalton Vigh compartilham as experiências da gravação em Sergipe.

No coração de Aracaju/SE, o Palácio Museu Olímpio Campos se transformou em cenário de uma história que mistura memória, emoção e cinema. Entre móveis antigos, jornais amarelados e a movimentação intensa da equipe, o Oxente Pipoca acompanhou um dia de gravação de Corações Naufragados, capturando detalhes que revelam o quanto este projeto é especial para Sergipe e para o cinema brasileiro.
A produção revive acontecimentos da Segunda Guerra Mundial na costa nordestina, quando o submarino alemão U‑507 atacou navios civis e militares, deixando marcas profundas na população local. Para os atores, gravar neste espaço histórico vai muito além da atuação: é estar em contato direto com os lugares e memórias que inspiraram a história, vivenciando a emoção de personagens que dialogam com o passado real do estado.
A roteirista Cacilda de Jesus, cuja avó sobreviveu ao torpedeamento do Baependi, já havia contado ao Oxente Pipoca, em entrevista exclusiva, como essa memória familiar deu origem ao roteiro do longa. Agora, nos bastidores da filmagem, Olivia Torres, Mina Nercessian, Rita Maia, Gabi Britto e Dalton Vigh compartilham suas experiências e o impacto de dar vida a personagens profundamente ligados à história de Sergipe. Leia na íntegra as entrevistas abaixo:
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Primeiro, é um prazer falar com você aqui na gravação do filme. O nosso portal, o Oxente Pipoca, é um portal de cinema que nasceu em Sergipe e fala sobre cinema, com foco no cinema brasileiro e no cinema nordestino. Então, pra gente, é muito legal estar aqui. Eu queria saber como está sendo, pra você, gravar um filme histórico, de fato, no lugar onde ele aconteceu.Dalton Vigh: Pois esse foi um dos maiores, se não talvez o principal motivo de eu fazer o filme. Claro, o personagem é muito bom, mas acho que o que mais me chamou a atenção é que a gente está contando um fato histórico que aconteceu no Brasil, aconteceu aqui em Sergipe. Acho que a população de Sergipe conhece bastante essa história, mas o Brasil, o resto do Brasil, acho que não se lembra mais. Eu acho muito importante a gente sempre olhar o passado, para a gente poder entender o presente e poder se preparar para o futuro, né? Eu acho que é assim que funcionam as coisas.
Então, pra mim, foi um prazer ter sido convidado pra fazer esse personagem. É um almirante, né, da Marinha, então é um cara que se vê envolvido de duas formas aí com o episódio: não só pelo afundamento dos navios, mas também por conta da filha ser a repórter que noticia isso. Então, é um personagem riquíssimo, que eu acho que ajuda a dar um peso maior pra história da protagonista, sabe? É uma pessoa que acaba colocando obstáculos pra que ela atinja os seus objetivos. Enfim, então, de uma certa forma, eu sou o antagonista.
Mas eu tô muito feliz de poder estar participando dessa produção, que, aliás, tá de parabéns. Eu acho muito legal que seja uma produção daqui. Enfim, eu acho que a produção cultural brasileira não devia se restringir à região Sudeste e tudo mais. Eu acho que tem muita história pra ser contada sobre o nosso povo, sobre os nossos estados, os nossos municípios pelo Brasil inteiro. A gente tem um território enorme, né?

Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Eu acho muito importante o fato de você estar gravando um filme no próprio lugar onde a história realmente aconteceu. Eu até comentei com o Dalton sobre isso. Acho que isso acaba trazendo uma carga emocional muito grande para todo mundo envolvido. Queria que você falasse um pouquinho sobre isso.
Mina Oliveira Nercessian: A emoção é muito grande. E a coincidência da vida é que, na verdade, quando eu cheguei… eu moro fora, e quando eu cheguei no Brasil, eu contei pro meu pai que eu tava fazendo esse filme, e ele falou assim: ‘O meu tio morreu nesse navio.’ Caramba. Então eu fiquei assim, chocada, e vi assim que realmente era pra eu estar aqui fazendo esse filme, é… contar essa história, né? Honrar essas pessoas que perderam a vida. É, e, e, divulgar a nossa história, né? Porque as histórias, se a gente não, não, não eterniza elas com cinema, com livros, elas se perdem. Então eu vejo de uma importância muito grande.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): A sua personagem é a mãe da protagonista, né? Queria que você falasse um pouquinho sobre isso, sem dar spoiler.
Mina Oliveira Nercessian: Sim, não posso dar spoiler, mas ela… ela tá numa situação assim de conflito interno, digamos, porque ela, ao mesmo tempo que quer ajudar a filha, ela gosta, ela apoia a filha, ela também tem a situação com o pai, com o marido, né? Que ela também não pode, digamos… fica difícil pra ela se expressar do jeito que ela gostaria com o marido, que é um militar, que é mais rígido. Mas é um personagem muito interessante. Eu gostei muito quando eu li.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): E como está sendo a experiência aqui em Sergipe?
Mina Oliveira Nercessian: Maravilhosa. Estou amando Sergipe, eu acho assim… gostando demais. Tô achando tudo muito limpinho, muito lindo, as pessoas muito gentis, muito amorosas, assim… Tem sido um presente enorme poder ter vindo pra cá. Então, eu tô muito agradecida e muito feliz.

Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Curiosamente, há um ano eu estava entrevistando o Davi Pretto, que dirigiu Continente, um filme que você fez. E eu preciso dizer que é um dos meus filmes de terror favoritos do ano — e, assim, acho que da vida. Então eu fiquei muito feliz de saber que você estava aqui. E uma coisa em que eu fiquei pensando foi: você participou desse filme, que é um terror, quase um slasher brasileiro, no interior do Rio Grande do Sul; teve Ainda Estou Aqui; e agora você está aqui fazendo um filme histórico. Caramba! São personagens totalmente diferentes. Eu queria que você falasse um pouco sobre essa experiência, como atriz, de estar vivendo tudo isso.
Olívia Torres: Ah, é muito massa. Fico feliz que você tenha assistido Continente, é um filme que eu amo também. Vou aproveitar e dizer que, agora na Mostra de São Paulo, o novo filme do Davi Preto, Futuro Futuro, que eu também fiz, foi vencedor de melhor filme, melhor roteiro, melhor montagem no Festival de Brasília. Vai estar na Mostra de São Paulo, assim como Aurora, do José Eduardo Belmonte, que é um filme também de terror, que eu faço também um monstro, uma criatura sanguinária, que a gente filmou dez anos atrás e agora vai ser lançado, comigo, com Carol Dickman, Humberto Carrão, Milena Cortazzoni e Matyruma. Fiz aqui o meu merchan.
Mas eu amo muito navegar em gêneros. Também, no ano que vem, vai lançar um outro filme que eu fiz de gênero. Então, acho que eu tenho Ainda Estou Aqui no meio, mas tem uma sequência de vários filmes de gênero, e agora fazendo, voltando pra um filme histórico, mas que eu acho que, primordialmente, é um filme romântico, né? É um romance. É muito bom, assim, porque… ah, a gente é atriz, né? O que a gente gosta mesmo é de brincar entre universos e personagens, e ter essa oportunidade, que é rara, me deixa muito contente e completa mesmo. É muito legal, muito massa.
E estar aqui também, né, com uma equipe que eu nunca tinha trabalhado antes, numa cidade que eu não conhecia, enfim, acrescenta também na experiência. É muito legal.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Eu ia perguntar justamente sobre isso: o que você está achando daqui e como é gravar um filme onde o fato realmente aconteceu. O que isso representa também para a atuação, estando dentro desses cenários e desse contexto? Eu queria que você falasse um pouco sobre isso.
Olívia Torres: Ah, eu acho que eu só, principalmente, só tomei noção da importância desse fato para Sergipe estando aqui e conversando com as pessoas, inclusive fora do filme. Porque a gente, enfim, tá aqui já o quê… duas semanas e alguma coisa. A gente fofoca com o povo, né? Passeia, vai nos lugares, e aí eu tenho trocado com as pessoas aqui de Aracaju, e muitas têm muitos, muitos casos para contar: avó, bisavó, tia-avó, enfim… muitas memórias que estão me relatando sobre essa história. E é muito especial. Obviamente, a gente sente um senso de responsabilidade, de honrar essas vidas e essa memória.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Só pra encerrar, eu queria que você falasse um pouquinho: Ainda Estou Aqui foi um marco, e eu acho que ele abre portas para que o cinema brasileiro seja conhecido de forma mundial e mostre a nossa potência de cinema. E eu acho legal ver como isso abriu para que outras produções chegassem e alcançassem mais gente. E aí, Corações Naufragados eu acho que também marca um momento para ser lembrado no nosso cinema.
Eu queria que você falasse sobre isso: como você vê o movimento do cinema brasileiro? Você comentou de alguns filmes que vão estar na Mostra, e você é uma atriz que participa bastante de filmes assim, por exemplo, de terror, filmes mais independentes, fora da zona comercial. Queria que você falasse um pouquinho de como você vê esse cenário do cinema brasileiro.
Olívia Torres: Ah, acho que tá muito potente, né? Não que o cinema brasileiro não estivesse potente antes de Ainda Estou Aqui, pelo contrário. Tem um tanto de cineasta que eu admiro demais em todos os lugares do Brasil: Recife, Pernambuco, cineastas de Minas Gerais, enfim, do Sul, sempre fazendo filmes muito relevantes, importantes.
Recentemente eu tava assistindo, ah, zapeando nos streamings, e vi um filme que eu não tinha assistido ainda, chamado Arábia, do diretor de Minas Gerais Afonso Uchoa. Muito especial. Mas eu sinto que algo mudou, e aí eu fico pensando o que que é. Porque eu acho que tem muito a ver com o interesse do público mesmo, sabe?
Eu acho que os filmes sempre estiveram aí, mas eu sinto que o povo brasileiro tá muito mais interessado em saber o que tá sendo feito, o que tá sendo produzido, o que foi produzido, quais vão ser os caminhos pro futuro. Eu sinto que o Oscar dá realmente visibilidade pra um país, né? É só a gente ver o exemplo da Argentina, quando ganhou filmes no Oscar, foi um boom, lembra? Todo mundo super interessado em ver o que tava sendo feito por lá. Ou a Coreia do Sul, né, com Parasita. A gente sempre fica interessado no que tá sendo feito num país que vence melhor filme internacional.
Então, sinto isso assim, acho que tá todo mundo numa certa efervescência, e fico comemorando, porque é um cinema muito rico o nosso, muito múltiplo, de todos os cantos. Tô torcendo muito por Agente Secreto.

Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Como é estar participando de uma produção desse tamanho sendo uma atriz daqui de Sergipe?
Rita Maia: Muito feliz, né? Uma oportunidade muito, muito interessante. Existem outras produções que eu já participei no estado, acho que todas que aconteceram por aqui de alguma forma eu sempre estive trabalhando, mas essa é bem especial por ser da Cacilda, que é uma pessoa que eu conheço já há 30 anos, uma amiga que começou a fazer teatro junto comigo. E por ser uma produção que fala dessa história que quase ninguém sabe, quase ninguém lembra. Então eu tô muito honrada em fazer parte.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Como você acha que essa experiência pode agregar também para o audiovisual sergipano?
Rita Maia: Conhecimento, né? Foi um processo muito intenso de preparação de atores, feito pelo Rogério Troiano, que foi muito, muito interessante. Uma nova visão, diferente de preparação, que eu não tinha tido oportunidade antes, e gostei muito. E acredito que fica o legado, né? De que seja possível fazer uma produção desse nível, que temos bons atores para estar numa produção nesse nível, né? E que cada vez venham mais produções assim, para que a gente possa ter mais oportunidade no trabalho.

Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): E aí, como tá sendo para você trabalhar em um longa de projeção nacional? Sendo atriz daqui de Sergipe, como tá sendo para você essa experiência?
Gabi Britto: Eu tô muito feliz e honrada de estar trabalhando com a equipe, primeiro que é do Brasil inteiro, uma equipe de projeção nacional, e ainda mais que fala sobre a minha terra, sobre acontecimentos que aconteceram aqui, que eu ouvi de passagem quando eu era criança.
Eu tive uma casa, quando eu morava aqui, a última casa que eu morei, que era na praia, então eu passava todos os dias pela Praia dos Náufragos. A gente, que é daqui, sempre ouviu falar da Rodovia dos Náufragos, mas infelizmente poucas pessoas sabem o porquê.
Então assim, eu tô muito feliz em fazer parte dessa história, porque eu acho que é uma história que vem para trazer, primeiro para Sergipe, um conhecimento de história que foi pouco explorado. Os historiadores, como a Cacilda e o Luizão, batalharam para pesquisar toda essa história e trazer isso à tona. Então é algo que é muito importante e que a gente vai começar a valorizar ainda mais a história do nosso estado.
Então eu tô muito feliz porque é um projeto incrível, que eu acredito e que vai levar Sergipe, essa história que aconteceu, para o Brasil inteiro.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): Eu tava comentando uma coisa legal, que eu acho que vai tocar muito quem é daqui, e eu acho que o Brasil inteiro também, de se reconhecer, reconhecer lugares, né? Reconhecer… enfim. Eu acho que às vezes a gente já se reconhece no sotaque de alguns atores. Eu acho que isso, muito além da história, também é algo que toca a gente.
Gabi Britto: Eu sou uma atriz sergipana, mas eu já moro há 8 anos em São Paulo. Então, quando eu vim para cá para fazer a primeira leitura do texto, primeiro eu fiz uma leitura com o elenco local, e foi muito emocionante. Ouvi as vozes dos artistas sergipanos, falando do seu jeito, da sua forma.
Eu saí muito emocionada nesse dia e tenho a possibilidade hoje de estar com o elenco local, com elenco que tá vindo para Sergipe, que também tá muito feliz de estar conhecendo Aracaju. A gente passa os dias juntos, passeia. É muito bom. Então essa eu tenho… estou tendo a oportunidade de ter essa troca com todos eles.
Então tem sido muito forte, assim, para minha experiência como pessoa e como atriz.
Gabriella Ferreira (Oxente Pipoca): E assim, como você acha que Corações Naufragados pode marcar, trazer esse olhar especial? Eu acho que Sergipe é lindo, né? É um espaço incrível, que dá para gravar milhões de histórias de vários tipos. Como você acha que o filme pode trazer esse olhar para outras pessoas do meio? Até para, sei lá, futuras produções serem gravadas aqui?
Gabi Britto: Eu acho que é muito importante. É uma super oportunidade de olhar para o nosso estado com essa visão de direção de arte, de direção de fotografia, que é super possível. E eu acredito que esse trabalho está acontecendo aqui dessa forma. Não só a história, que é fruto do trabalho da Cacilda, que lutou para que tudo de fato fosse gravado aqui, para que esse cenário fosse o pano de fundo.
Então, eu acho que o estado só tem a ganhar, e que mais produções cheguem aqui para os atores trabalharem, para as atrizes trabalharem, roteiro, direção, tudo. O estado pode fazer isso. Então, eu espero mesmo que seja o primeiro projeto desse porte, porque projetos acontecem aqui, isso é importante ser falado. Sim, a galera produz, mas que cada vez isso cresça e tenha visibilidade, porque a gente tem muito a oferecer.





