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“Estou retratando o Japão que vivo, mas também preciso me afastar um pouco dessa realidade”: Kiyoshi Kurosawa fala sobre “Cloud - Nuvem de Vingança”

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 14 de jul.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 15 de jul.

Em entrevista ao Oxente Pipoca, Kiyoshi Kurosawa conversou sobre os múltiplos gêneros trabalhados no filme e de como sua narrativa espelha problemas globais do capitalismo e da internet.

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Como se filma os horrores do capitalismo tardio? Essa parece ter sido a pergunta que norteou Kiyoshi Kurosawa, um dos mais importantes diretores japoneses em atividade, para realizar Cloud – Nuvem de Vingança, seu mais recente longa-metragem. Selecionado pelo Japão para representar o país no último Oscar, o filme mescla terror, suspense, ação e até comédia conforme narra a história de Ryosuke Yoshii (Masaki Suda), o qual vive do esquema de revenda de produtos ilegais na internet, mas se vê alvo de um plano de vingança orquestrado por aqueles prejudicados por ele.


Tive a oportunidade de assistir Cloud como o filme de abertura da 14ª edição do Festival Olhar de Cinema, na Ópera de Arame, em Curitiba, no mês passado. Antes da sessão, uma mensagem do próprio Kurosawa já reforçava alguns dos elementos que prevaleceriam na nossa experiência com o filme: o fato de estarmos assistindo a uma história fortemente calcada na realidade, mas que era narrada por intermédio das possibilidades do cinema de gênero. Em minha crítica, descrevi o longa como um “thriller mundano”, mas isso de forma alguma era um demérito; trata-se justamente de uma das suas maiores forças, ao extrair tensão, humor e sustos a partir de uma temática que, por mais específica e ligada ao cotidiano japonês que possa ser, dialoga com situações comuns por todo o globo, inclusive aqui no Brasil.


Agora, com o lançamento do filme em terras brasileiras previsto para a próxima quinta (17), o Oxente Pipoca teve a oportunidade de entrevistar Kiyoshi Kurosawa para falar um pouco mais do longa. Minha primeira pergunta ao diretor tratou justamente de procurar saber como foi feita essa articulação entre o pé na realidade que o filme finca e seu exercício a partir do cinema de gênero. O diretor afirmou que buscou meramente retratar o Japão em que vive, mas que para criar “o que é próprio do cinema”, ele precisava se afastar um pouco dessa realidade e deixá-la como pano de fundo dessa história que estava contando.


Kurosawa reconheceu que pode ser difícil para as pessoas definirem qual exatamente o gênero de Cloud, considerando que à medida que a narrativa progride vai se observando essas mudanças e transições no tom na obra. Segundo ele, fazer essa transição – “sair dessa realidade e ir criando o cinema”, em suas próprias palavras – foi a parte mais desafiadora, mas também a melhor, da produção do filme, e a razão pela qual ele faz cinema.


“O filme tem três momentos”, disse ele. “Começa na cidade, aí depois vai para uma floresta, onde ele [Ryosuke] está mais distante das pessoas e termina numa fábrica abandonada. Então, acho que esses três lugares, cada etapa, cada vez que ele se vai para um próximo lugar, ele vai se afastando da realidade. Mas eu acho que à medida que ele vai se afastando dessa realidade, eu vou aproximando esse personagem do que é próprio do cinema, dessa transição”.

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Pensando no aspecto de como a realidade do filme, mesmo cercada de especificidades, dialoga com outros cenários ao redor do globo, comentei com Kurosawa a respeito do universo dos sites de apostas aqui no Brasil – incluindo o famigerado jogo do tigrinho – e o quanto eles se difundiram no país, mesmo com várias notícias sobre pessoas que perderam suas rendas e as de suas famílias devido ao vício em apostas. A própria mentalidade de Ryosuke reflete muitos dos aspectos mais nocivos do neoliberalismo e do capitalismo tardio: a obsessão em ser um “empreendedor de si mesmo”, abrindo mão até da estabilidade de um emprego em prol de rendas fáceis e rápidas.


Kurosawa demonstrou ter ficado surpreso com este cenário no Brasil, já que, como ele aponta, problemas com apostas também são um problema muito comum no Japão atual. Segundo ele, “ficar sabendo que no Brasil também tem esse problema é realmente uma coisa que fez abrir os meus olhos. Acho que este é o lado assombroso da internet, essa irresponsabilidade que acontece nesse ambiente em que você já não sabe muito bem o que é bom, o que é ruim. O bem e o mal, esses valores desaparecem. E talvez por isso as pessoas agem de forma irresponsável, clicando em alguma coisa sem pensar, para lucrar um pouco mais às vezes do que elas poderiam estar lucrando, se fizessem a as coisas de forma correta. Eu não acredito que a internet seja o problema. Eu acho que a maldade que existe no coração das pessoas é exacerbada na internet. Então, às vezes, por pouco as pessoas fazem coisas muito irresponsáveis e é impressionante ver que isso acontece em todos os lugares”.


Mesmo admitindo não ser versado em economia, Kurosawa comentou que, para além do problema das apostas em si, o próprio universo da bolsa de valores já é um jogo de aposta por si próprio, o que é um dos muitos reflexos do capitalismo contemporâneo. E ele se mostrou aterrorizado por esse momento atual. “Eu acho que é assustador a gente pensar que está vivendo em uma era em que uma aposta, um clique movimenta grandes quantidades de dinheiro, e com um clique uma guerra pode começar. Então, é realmente assustador perceber que estamos vivendo esses momentos”.

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