Os melhores filmes vistos no 14º Olhar de Cinema
- Vinicius Oliveira
- 23 de jun.
- 10 min de leitura
Atualizado: 27 de jun.
O que me encantou, o que me desagradou e o que ficou no meio do caminho durante os nove dias de festival.

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Nada te prepara para a maratona que é um festival de cinema. De 11 a 19 de junho estive cobrindo a 14ª edição do Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, e das cerca de 90 produções exibidas, assisti 23. Logicamente, as minhas experiências com essa vasta quantidade de filmes variaram de muitas maneiras - alguns dos quais crescendo em mim durante os dias do festival, outros caindo no limbo do esquecimento cada vez mais -, mas essa lista tenta dar conta dessa diversidade de experiências. Acompanhe abaixo o ranking referente aos 14 dos 23 filmes para os quais escrevi críticas para o Oxente Pipoca:

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14) Paraíso (dir.: Ana Rieper)
"(...) É notório como Paraíso se esgota rápido, com suas imagens caindo numa redundância gritante e que pouco conversam entre si, como se atirassem para todos os lados, num trabalho de montagem que afeta sensivelmente a coesão interna da obra.
Não ajuda que várias dessas imagens se referem à brutalização e violência contra corpos negros e indígenas, bem como de casos de feminicídio. Não são situações inéditas: afinal de contas estamos falando de arquivos. Mas a que elas servem? O intuito é de denúncia, isso é nítido, mas acabam caindo num choque pelo choque, uma espetacularização da violência que acaba esvaindo a proposta do longa. Não sou de achar que só pessoas negras e indígenas devem dirigir obras que se refiram diretamente a si mesmos(as), mas é de se perguntar como uma pessoa não-branca lidaria com esses materiais, como suas sensibilidades e subjetividades poderiam influenciar a um outro direcionamento que Rieper escolhe não adotar e que compromete profundamente o filme". (crítica completa aqui)

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13) Em Vez de Árvores (dir.: Philip Hartmann)
"Dado o quão abstrato pode ser falar de arte ou da própria natureza, Em Vez de Árvores abraça essa abstração como parte da sua própria existência, para o bem ou para o mal. Ocasionalmente funciona, como é o caso da entrevista com Paula Gaitán, que explica seu processo para se aproximar da natureza e encená-la. As reflexões trazidas pela curadora sobre os animais empalhados também são uns dos momentos mais fortes nessa aproximação entre arte e natureza, bem como as discussões sobre como as representações da natureza na arte ocidental ao longo dos séculos muitas vezes serviram a propósitos colonialistas. Entretanto, são apenas alguns instantes pontuais entrelaçados a outras abordagens que nem sempre funcionam. Apesar do seu trabalho como crítico de Roger indicar a possibilidade de uma maior exploração do cinema nessa relação com a natureza, o próprio tópico do cinema é abordado de uma maneira um tanto precária, indo além de passagens como a em que o protagonista fala sobre Interestelar ou a entrevista com Gaitán." (crítica completa aqui)

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12) Glória e Liberdade (dir.: Letícia Simões)
"Diferentes figuras guiam Azul por tais nações tão distintas entre si, e um acerto do filme reside em não simplificá-las, apresentando mesmo dentro de sua curta duração as contradições que regem esses países, especialmente em termos de classe e raça. O uso de diferentes traços de animação para retratar cada país também se revela o acerto primordial da obra, ainda que seja perceptível uma desconexão entre os do primeiro bloco com os dos demais (que foram dirigidos por um único diretor de animação). Mesmo diferentes entre si, os três blocos subsequentes conseguem criar uma coesão interna entre si mais eficaz do que com o país que outrora foi o Pará.
Entretanto, mesmo com as possibilidades que carrega por se configurar dentro do âmbito da animação, Glória e Liberdade se vê vítima e refém do seu próprio discurso. Há uma constante reiteração dos mesmos pontos, seja na narração em off de Azul, seja nos comentários feitos pelos personagens que a acompanham na sua jornada, ou até mesmo nos créditos finais, sobre como as distinções entre esses países refletem as problemáticas das quais o Brasil não consegue se livrar até hoje. Esse didatismo parece reflexo da lógica documental que o filme assume, mas é como estarmos vendo mais uma aula de história (alternativa) do que um filme propriamente dito." (crítica completa aqui)

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11) Torniquete (dir.: Ana Catarina Lugarini)
"Inegavelmente, Torniquete mostra em Ana Catarina Lugarini uma promessa na direção, além de reforçar os talentos da grande Marieta Severo e revelar Sali Cimi como uma páreo para a veterana atriz. Mas o filme parece se esconder por trás das suas alegorias, tímido para ir além disso, o que ainda é sintomático de uma espécie de cinema nacional que acha que metáforas e subtextos bastarão para tornar um filme “importante” ou “necessário”. Não bastarão, mas pelo menos é possível ver em Lugarini o espaço para que sua filmografia subsequente saberá transcender essa barreira do nosso audiovisual contemporâneo e entregar obras que abracem plenamente seu potencial." (crítica completa aqui)

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10) Explode São Paulo, Gil (dir.: Maria Clara Escobar)
"Gil é, sob muitos aspectos, bastante singular, como ela própria já faz questão de frisar ao se apresentar: imigrante goiana, faxineira, sapatão, poeta e cantora. A música faz parte do DNA desta mulher tão única, e vê-la performar para a câmera, seja em momentos mais “autênticos” ou naqueles mais encenados, é um deleite, assim como nos assustamos e sofremos ao vê-la ter um ataque de epilepsia em cena, e como isso afeta sua memória e a própria relação que ela vinha construindo com a música até ali.
Justamente por isso, é frustrante ver como a direção de Maria Clara Escobar passa um bom tempo ainda incerta sobre como exatamente quer abordar a protagonista. Há uma instabilidade nítida na primeira parte do filme, a começar pela abertura com o monólogo de Gilda Tonacce, que atende à essa proposta um tanto docuficcional e experimental do filme, mas soa bastante deslocada ao postergar a entrada de uma figura muito mais interessante como a da própria Gil. Mesmo quando esta entra em cena, essa incerteza paira sobre o longa, e é justamente a partir da cena do karaokê que ele se encontra junto à sua personagem. Ainda assim, esta instabilidade está presente em outros momentos (como nas breves sequências em Brasília), de modo que é difícil fugir a esta primeira impressão de que o filme não sabe o que fazer com um material (e um sujeito) tão rico." (crítica completa aqui)

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9) Nem Toda História de Amor Acaba em Morte (dir.: Bruno Costa)
"Desde o início, o longa se distingue sobretudo na maneira como aborda e representa a população surda, num esforço de representatividade que vai para muito além da integração desses personagens e suas vivências à narrativa, mas também com a presença de intérpretes de Libras para os diálogos dos filmes. Se a presença de seus ícones nos cantos da tela pode desviar a atenção no começo, logo se torna natural, o que é um grande mérito do filme – e um aprendizado a ser seguido por outras produções, tenham elas ou não personagens surdas.
Mas para além desse cuidado, Nem Toda História de Amor Acaba em Morte não foge muito do que seu título aponta: esta é uma história clichê sobre novos amores, mas que evita o tropo das tragédias que normalmente se abatem sobre casais LGBTQIA+. Porém, a construção do relacionamento de Sol e Lola se dá de maneiras um tanto abruptas (que alguns poderiam dizer que é uma questão clássica de relacionamentos lésbicos, mas não parece ser intencional da parte do filme), e em diversos instantes a própria construção de Sol torna a personagem um tanto desagradável e alguém difícil de torcer, mesmo que a ideia seja de que estamos diante de alguém cansada de assumir uma postura passiva na vida e que quer reagir. Mas quando, mesmo que não intencionalmente, nos vemos tendo mais simpatia pelo arco de Octávio do que o das protagonistas (o que é potencializado pelo fato de Octavio Camargo roubar a cena sem esforço), fica claro que em algum lugar o filme perdeu a mão na sua proposta." (crítica completa aqui)

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8) Cais (dir.: Safira Moreira)
"O próprio documentário, portanto, incorpora essa cosmovisão para sua própria forma fílmica, rejeitando os moldes tradicionais do cinema documental e de suas narrativas. Mesmo a presença dos personagens (como Mateus Aleluia) não surge para dar conta da dor particular de Safira, mas sim para integrar a jornada que ela assume a uma dimensão e cosmovisão muito mais amplas. São passagens pontuais, que quebram o silêncio e a sensorialidade assumidas pela obra, a qual busca muito mais os sons ambientes (bem como as canções religiosas) para conferir cadência ao seu ritmo.
Esse ritmo, porém, pode parecer um tanto sôfrego em alguns momentos, apesar da curta duração. Além disso, a abordagem mais ampla pode fazer parecer que não há um foco particular na própria figura da mãe de Safira ou da maternidade desta. Problemas próprios do filme ou apenas uma forma ocidental de pensamento e cinema enraizados em mim? Difícil dizer, mas é inegável que Cais encontra poesia em sua forma subversiva e imersiva." (crítica completa aqui)

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7) Verde-Oliva (dir.: Wellington Sari)
"Pode se argumentar que o filme não tem força para ir além das referências e das homenagens a DePalma, mas vejo ali uma vontade de cinema (de gênero, principalmente) que consegue ir para além da cópia para se configurar como um projeto repleto de paixão e curiosidade. Além do mais, nossa própria realidade parece tão ridícula que não há outra possibilidade de se aproximar dela por meio do absurdo e da farsa. A própria revelação climática, repleta de diálogos exagerados e atuações histriônicas, é tão hilária que, se para alguns pode ser onde o filme se perde – já que ele progressivamente se torna mais amalucado e caricatural – é onde ele mais me ganha. Pena que a sua montagem final penda para um lado mais dramático que força uma revelação que já havíamos constatado, num problema de montagem que está presente em outros momentos (a sequência em slow motion na galeria, por exemplo) e dilui um tanto do impacto visual que Sari constrói no filme, algo também presente no fato de que algumas atuações – a começar pela de Jean Guilherme – parecem destoantes da proposta absurda da obra." (crítica completa aqui)

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6) Salomé (dir.: André Antônio)
"A direção de André Antônio se sobressai e muito em relação a outras obras nacionais de caráter mais politizado dos últimos anos, ou mesmo aquelas que exploram o cinema de gênero. Muito da força do filme vem de Aura, com seu olhar penetrante e hipnotizador (talvez um dos mais expressivos e assombrosos que vi nos últimos tempos) e que sustenta o filme mesmo quando sua personagem passa por transformações que nem o texto nem a encenação dão conta de justificar. Infelizmente seu parceiro de tela Fellipy Sizernando não atinge os mesmos níveis de latitude dramática, mas um dos grandes méritos do filme é não se acanhar em explorar seus corpos e a transgressão que os cerca, como na primeira cena de sexo dos dois, talvez uma das melhores, explícitas e mais bem-filmadas que pude assistir recentemente." (Crítica completa aqui)

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5) Ariel (dir.: Lois Patiño)
"Existe uma forte carga onírica em Ariel desde seus minutos iniciais, que brincam com a possibilidade das portas da realidade se irromperem neste mundo de aparentes sonhos que regem a obra. Trata-se de um longa fortemente sensorial, que conduz essa carga onírica através do uso de cores (o púrpura que abre e fecha o filme) e também de sobreposições entre cenas, como na sequência da “tempestade” durante o percurso de Agustina até Faial. Essa carga sensorial também advém da própria ilha em si, cujas paisagens naturais e atmosfera – em especial no ato final, onde saímos em definitivo do seu espaço urbano – contribuem ainda mais para esse aspecto fantasioso e de sonho.
Esse universo de estranhamentos vai se apresentando cada vez mais gradativamente até ser absorvido por Agustina – que ainda assim se mantém a única autoconsciente ali – e também por nós, espectadores. Há algo de divertido em ver os cidadãos comuns encenando peças como Hamlet, Macbeth, Romeu e Julieta ou a própria A Tempestade, e essa leveza se mantém mesmo após o filme introduzir uma natureza mais densa das suas reflexões, discutindo se essas pessoas (ou personagens) estão vivos ou mortos, e se há alguma capacidade de se libertarem desses papéis que lhe foram impostos." (Crítica completa aqui)

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4) Apenas Coisas Boas (dir.: Daniel Nolasco)
"É de se parabenizar a coragem e ousadia de Nolasco em reconfigurar o filme dessa forma, deixando de lado o faroeste para investir em um drama/thriller de toques meio DePalmianos. O que não muda é o caráter sensorial da obra, que investe em sequências mais longas, marcadas por profundos silêncios (em especial na primeira metade) e um design de som ambiente que casa com escolhas pouco ortodoxas na trilha sonora. Claro que, como todo filme de partes tão distintamente demarcadas, há sempre um risco de que elas possam não conversar entre si, e isso ocorre em determinados momentos, em especial com a mudança de gênero. Mas o final, tão simples quanto agridoce, consegue amarrar ambas as metades do filme e justificar também seu título." (crítica completa aqui)

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3) Cloud - Nuvem de Vingança (dir.: Kiyoshi Kurosawa)
"Sou um grande entusiasta de obras que são capazes de mudar significativamente de tom e gênero, mas é preciso muita segurança e controle sobre a mise-en-scène para que essa mudança tonal não faça o filme se perder, e felizmente este é o caso de Cloud. Até as revelações sobre o enigmático assistente de Ryosuke, Sano (Daiken Okudaira), casam organicamente com este universo, especialmente pela sua última cena com o protagonista, que carrega uma certa estilização na superfície bastante destoante do restante da obra, mas que pela troca de diálogos entre ambos também se justifica. No fim das contas, não temos monstros, espíritos ou demônios para assombrar Ryosuke (ou talvez tenhamos, porque o filme nunca nega uma certa ambiguidade): apenas o bom e velho capitalismo na sua forma mais sórdida e inumana, sugando tudo de todos para que a roda possa girar. Que Kurosawa nos mostre isso através da tensão, da violência e até do riso é um dos melhores atestados da inteligência do cinema de gênero que pude ver nos últimos tempos." (crítica completa aqui)

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2) A Voz de Deus (dir.: Miguel Antunes Ramos)
"Longe da condescendência e do paternalismo, Miguel traz olhar que de forma alguma é neutro (e que ótimo que não o seja), mas que está antes de tudo interessado em se despir de suas preconcepções, aproximando-se de seus dois personagens principais e suas respectivas famílias para mostrar seus cotidianos e, sobretudo, suas humanidades. Sim, há falhas e muito a se problematizar (para quem não é evangélico, mergulhar no universo dos pregadores mirins pode ser deveras assustador e indigesto), mas a câmera dele se torna tão íntima deste universo e destes personagens que é surpreendente ver o que ela consegue capturar com tamanha naturalidade. Há momentos de riso, de camaradagem, compaixão e de questões genuínas com a própria fé, mas também de dores, hipocrisias e de contradições." (crítica completa aqui)

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1) Aurora (dir.: João Vieira Torres)
"Apesar do tópico extremamente difícil com o qual trabalha, João nunca busca pesar a mão para explorar as histórias de suas parentes, tampouco transformar em uma vitrine de si mesmo, ainda que sua própria existência – como um homem negro e gay que se viu precisando sair daquele ambiente para poder ser ele próprio – não deixe de dialogar com as histórias às quais vasculha. Ele confere materialidade a esses fantasmas que o assombram desde a infância, e por isso seu trabalho é também um trabalho de arquivo, de olhar os cantos inexplorados dos materiais para sua pesquisa (as fotos de funerais, tão características dos interiores nordestinos, são talvez a sua arma mais poderosa), de desafiar os discursos que foram construídos sobre estas mulheres para corporificar e dar voz a esses fantasmas mesmo décadas depois de terem partido." (crítica completa aqui)