Star Wars encontra Foucault
Divulgação: Disney+
Em Announcement, vimos Cassian Andor (Diego Luna) ser preso por um motivo tão ironicamente fútil (dado sua participação no roubo em Aldhani) que a associação mais imediata a ser feita é com Josef K., o protagonista de O Processo, de Franz Kafka, o qual é preso e submetido a um longo e tortuoso julgamento por um crime que nunca é especificado. Agora, em Narkina 5, vemos Andor ser mandado para uma prisão que parece ser a versão galáctica do Panóptico tal qual abordado por Michel Foucault em seu clássico Vigiar e Punir: um campo de trabalhos forçados no qual os prisioneiros estão a todo tempo sendo vigiados, mesmo que não saibam exatamente por quem, o que os coloca em uma rotina paranoica para entregar a melhor produtividade possível.
A constituição da prisão (com o design estéril e branco típico de instalações imperiais) não é apenas outro acerto da direção de arte da série, mas também é um mergulho na mentalidade opressora do Império e como este é capaz de dobrar populações inteiras à sua vontade. Semana após semana, é incrível ver como a série não se furta a fazer comentários pertinentes sobre a natureza e os mecanismos das ditaduras e regimes autoritários, e ainda assim a equipe de roteiristas comandada por Tony Gilroy consegue acrescentar novas camadas a cada episódio que detalham perfeitamente o quão abjeto é o Império e sua estrutura. Ainda que proveja um nível de detalhismo inédito na saga para o funcionamento da máquina imperial, Andor nunca o humaniza ou relativiza suas ações.
Se o breve salto temporal no final do episódio anterior me incomodou um pouco por soar pouco orgânico à narrativa, aqui ele se justifica pela forma como o episódio consegue conectar diversos núcleos, sempre tomando Cassian como epicentro. Tem-se aqui finalmente a reunião que eu muito aguardava entre Dedra Meelo (Denise Gough) e Syril Karn (Kyle Soller); ainda assim, o episódio evita o caminho óbvio de já juntar os dois personagens numa parceria atrás de Cassian, mas planta as sementes para que essa parceria possa vir a ocorrer em um momento futuro, o que é muito mais condizente com o caminho que a série vem tomando.
Da mesma forma, um outro salto (dessa vez mais bem-articulado) permite não apenas vermos Cassian mais integrado à extenuante rotina da prisão, como também Dedra em Ferrix, contracenando com personagens como Bix (Adria Arjona) e elevando a tensão no planeta que já fervilha desde os eventos do terceiro episódio, o que é intensificado pelas presenças em sigilo de Vel (Faye Marsay) e Cinta (Varada Sethu). Aliás, é uma prova da qualidade da série sobre como a nossa espera é sempre recompensada, pois aqui já vemos a agente imperial aos poucos se aproximar da figura de Luthen (Stellan Skarsgard) como uma figura rebelde de grande importância, mesmo não sabendo sua real identidade. De quebra, a narrativa de Luthen nos dá de brinde a primeira aparição de Saw Guerrera (Forest Whitaker), num dos muitos acenos para Rogue One. Mas, como de praxe, não se trata de um mero fan-service; as interações entre os dois personagens nos dão mais vislumbres das diferentes correntes e facções que compõem os rebeldes nesse momento, mostrando que nenhuma revolução é uniforme.
Poderia falar de bem mais - como as cenas de Mon Mothma (Genevieve O’Reilly) ou a aparição surpresa de um ator conhecido que é boa demais para eu estragar -, mas o fato é que Andor continua a ser aqui o melhor e mais relevante produto entregue pela Disney na sua gestão de Star Wars. É uma pena, mas também é previsível, que esta também seja a obra menos consumida da saga nessa gestão, mas apenas um tolo não veria os comentários políticos embutidos no DNA da franquia desde seu começo. Porém, dada a postura despolitizante e conservadora de parcela significativa do fandom, tal tolice não chega a ser uma surpresa, e é justamente por isso que Andor se mostra a mais necessária série para este momento.
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