David E. Kelley mostra que ainda sabe contar boas histórias de tribunal em uma das séries mais eletrizantes do ano
Foto: Divulgação/ Apple TV+
Produtor e roteirista conceituado, David E. Kelley criou alguns dos maiores dramas jurídicos da televisão norte-americana como The Practice, sua derivada Boston Legal, Ally McBeal, que também brincava de ser comédia e, talvez, o que seja sua obra mais conceituada, a excelente primeira temporada de Big Little Lies. No entanto, a segunda temporada dela se mostrou desnecessária e não disse a que veio. Sua outra minissérie, também para a HBO e repetindo a parceria com Nicole Kidman, The Undoing, começou bem e foi piorando a cada episódio que passava, resultando em um final desastroso e novelesco, no pior sentido da palavra. Love & Death, estrelada por Elizabeth Olsen e que teve como base um terrível caso real, não foi ruim, mas definitivamente esquecível. Então, comecei a assistir com um pé atrás, mas felizmente ele mostrou de novo o porquê de merecer o respeito e a confiança do público.
Adaptada do livro homônimo de Scott Turow, que também já ganhou sua chance nas telonas em um filme estrelado por Harrison Ford e dirigido por Alan J. Pakula em 1990, a série conta a história do promotor Rusty Sabich (Jake Gyllenhaal), que se torna o principal suspeito de um assassinato hediondo que deixa o escritório da Promotoria de Chicago de cabeça para baixo. Rusty tinha um caso com a vítima, a também promotora Carolyn Polhemus (Renate Reinsve), e além da acusação, precisa fazer de tudo para manter sua família unida com tantos segredos revelados. Diferente do cinema, um seriado de tv dá mais espaço para os personagens serem desenvolvidos e um dos meus medos era que a trama se perdesse em tramas paralelas, mas foi um ledo engano. A narrativa é construída focando no caso e na família, mas respeitando aquelas pessoas em tela, sem deixar que somente o julgamento seja o foco principal, porém que também não se perca dele. É impossível você não se envolver ali com tanta coisa em jogo.
Foto: Divulgação/ Apple TV+
O elenco é um espetáculo e eleva um roteiro que pode não ser visto como inovador, afinal dramas jurídicos e investigativos não são novidades em qualquer mídia. Jake Gyllenhaal está em um de seus melhores papeis. Rusty é um homem controverso e egóico, que trai, mente e sempre te deixa com a pulga atrás da orelha se ele é culpado ou não, mas ainda assim não restam dúvidas que ele amava Carolyn, assim como Barbara (Ruth Negga) e seus dois filhos. E falando em Ruth Negga, ela é o maior destaque. Em um papel que poderia ser o mais coadjuvante, ela brilha e toma as rédeas, como uma mulher traída que tem um enorme dilema: ama o marido, mas sente a dor de ser lembrada a todo instante de uma traição exposta para o país inteiro, já que o caso é televisionado. Peter Sarsgaard, no papel de Tommy Molto, o promotor encarregado do caso, é outro grande nome. Na mão de outro ator, o personagem poderia ser lido como um vilão qualquer. Claro que há mérito no texto, mas Sarsgaard dá mais nuance ao papel, trabalha olhares sutis e um tom de voz baixo que é de um controle fascinante e não me faz odiar um homem tão odiável. E voz é o que mais chama atenção na performance de O-T Fagbenle, excelente como Nico Della Guardia, o Procurador Geral, que causa bastante raiva, devo confessar. Renate Reinsve sempre ótima, e eu, por ser fã do que ela faz no espetacular A Pior Pessoa do Mundo, queria ver mais dela, mas entendo seu pouco tempo de tela. Era mais sobre quem ficou do que quem se foi. Não posso deixar de mencionar o sempre instenso Bill Camp também, que faz o advogado de defesa e melhor amigo de Rusty, Raymond.
A princípio anunciada como uma minissérie, a Apple renovou a série para uma 2ª temporada e informou que haverá um novo caso a ser trabalhado. Fico muito feliz porque este excelente final não precisa de continuação. Foram oito episódios e até o sexto, com idas e vindas que agregavam ao enredo seja no núcleo familiar ou jurídico, a trama estava em crescente. No entanto, em decorrência de uma reviravolta desnecessária, um desvio que se mostra um tanto fajuto é feito no sétimo episódio. É uma tentativa de deixar o julgamento mais imprevisível, só que a impressão que fica é de um episódio que não precisava existir. Todavia, a última hora traz a série de volta aos trilhos e se o veredito não é exatamente surpreendente, é o que mais faz sentido diante do exposto – com o perdão do trocadilho. A sequência final, a revelação do “quem matou?”, a construção da tensão pela direção de Anne Sewitsky e o texto de Kelley, Sharr White e Miki Jonhson que te ajudam a montar o quebra-cabeça em harmonia, são fantásticos, isso sem falar nas atuações dos envolvidos na cena. A última montagem deixa o ar macabro, mas extremamente satisfatório de uma das melhores séries do ano.
Nota: 4/5
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