Crítica | Apolo (Festival do Rio 2025)
- Gabriella Ferreira

- 11 de out.
- 2 min de leitura
O retrato de uma gestação trans que é resistência e afeto em cena

Foto: Reprodução
Em um mundo tão polarizado como o de hoje, existir e ser uma pessoa trans já é um sinônimo de resistência. E para uma sociedade preconceituosa como a nossa, ver o gestar transcentrado parece algo absurdo. É nesse contexto que nasce também o documentário Apolo, dirigido por Tainá Müller e Isis Broken, contando a trajetória de Isis e Lourenzo Duvale, que em meio à pandemia da Covid-19, enfrentam os desafios impostos pela transfobia institucional e pelo preconceito social ao vivenciar a experiência da gestação de Lourenzo — homem trans que carrega o filho do casal, o pequeno Apolo.
Exibido no 27º Festival do Rio, Apolo é uma obra que transcende o relato íntimo de uma gestação para se tornar um potente manifesto sobre identidade, afeto e resistência. O ponto de partida do documentário é um episódio de violência institucional: Lourenzo é impedido de realizar uma consulta pré-natal na rede pública de saúde de Aracaju por ser um homem grávido, expondo não só a precariedade do sistema como sua profunda inadequação diante das demandas de pessoas trans.
Isis, que vem fazendo parte de trabalhos recentes na TV, pode estar sendo conhecida pelo público nacional agora, mas já era um nome potente na cena musical em Aracaju desde 2019. A violência sofrida pelo seu parceiro mostrou a necessidade da mudança para a capital paulista, tudo mostrado no documentário com muita sensibilidade. Seja para quem já conhecia o casal através das redes sociais ou para quem vai conhecê-los através do documentário.

Foto: Reprodução
Apolo constrói uma narrativa tocante e política a partir do cotidiano do casal, entrelaçando as dores e alegrias de uma gestação com as violências e invisibilidades enfrentadas por corpos dissidentes. O longa não se furta de mostrar as dificuldades financeiras, os medos, os preconceitos e os afetos, apostando numa estética da intimidade que humaniza seus personagens e convida o público a repensar noções normativas de família, gênero e amor.
A narração, que faz com que o documentário seja quase como uma carta para Apolo no futuro, torna tudo mais bonito e também torna-se um registro muito verdadeiro e honesto para uma criança que, em breve, irá entender como a sua existência também é uma forma de resistência.
Cinematograficamente, o documentário se destaca pela delicadeza da estreia na direção de Tainá, que sabe onde parar e onde insistir, construindo um retrato que não é apenas sobre Lourenzo, Isis e Apolo, mas sobre todas as pessoas trans que lutam diariamente pelo direito de existir com dignidade. Não é nada revolucionário no modo de contar a história, mas é extremamente competente em como essa trama chega em quem o assiste.
Ao fazer da vida um gesto político, Apolo se afirma como um documentário que deverá ressoar muito além da Première Brasil, tornando-se muito além de um registro para o futuro de Apolo. Um filme que toca, provoca e permanece.
Nota: 4/5





