Crítica | Ato Noturno (Festival do Rio 2025)
- Guilherme Salomão

- 11 de out.
- 3 min de leitura
Referências do suspense assertivas elevam o nível de sofisticação do Thriller Erótico brasileiro

Foto: Reprodução
Selecionado para a mostra Panorama do Festival de Cinema de Berlim 2025, Ato Noturno, da dupla de diretores Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, é um dos concorrentes ao Prêmio Redentor na mostra competitiva de ficção do Festival do Rio deste ano. Na trama, Matias (Gabriel Faryas), um jovem ator ambicioso, e Rafael (Cirillo Luna), um político em ascensão que disputa as eleições para prefeito em Porto Alegre, vivem um caso em sigilo.
Logo nos primeiros instantes de Ato Noturno, há algo que fica bastante evidente no filme da dupla de cineastas: as referências maneiristas e de suspense, que elevam o nível de sofisticação do longa, tornando-o um autêntico e vibrante thriller erótico. Ao longo do desenrolar da trama, Matias e Rafael descobrem um peculiar fetiche por sexo em lugares públicos, com o desejo um pelo outro crescendo e tomando contornos, por vezes, não tão almejados.
A dupla se torna, a partir disso, um espelho do outro. O político vive o romance em sigilo, obcecado pela vitória e por alcançar objetivos, e acaba por inspirar o ator ao mesmo. Assim como Rafael, Matias também descobre, conforme cresce em direção ao sonho de se tornar um ator bem sucedido, as obrigações e exigências podadoras e discriminatórias do sistema, que exigem dele a mesma atitude discreta de Rafael.
Porém, para atingir seus objetivos, Matias — que disputa com seu companheiro de quarto (Henrique Barreira) o papel em uma série de TV — decide passar por cima de seu colega de peça. As consequências acabam sendo trágicas, à medida que a situação sai de controle. Os diretores acertam em transmitir sempre essa sensação de inquietude. A peça que os dois amigos encenam, por exemplo, entra como simbolismo metalinguístico. Ao final do espetáculo que ensaiam, apenas um pode se manter de pé ao disputarem lugar em uma superfície estreita.

Foto: Reprodução
Ao longo do filme, o desenrolar dos acontecimentos e os elementos narrativos remetem diretamente a um suspense hitchcockiano com a estilização de um Brian De Palma. É a intriga entre dois amigos, a relação quase que de obsessão entre o político e o artista. Tudo é conduzido e bem afinado nessa lógica específica de filme, apesar de não tão melodramático como nas obras desses diretores. Até a ótima trilha sonora, assinada por Thiago Pethit, segue a lógica de reger o suspense com seus acordes misteriosos como as de um Bernard Herrmann — compositor histórico dos filmes de Alfred Hitchcock — ou Pino Donaggio — compositor que assina a trilha do clássico Dublê de Corpo (1984), de De Palma.
São vários os símbolos hitchcockianos reimaginados: a casa isolada onde os amantes desenvolvem o caso em segredo; a escada em espiral, parte desse ambiente, enquadrada em plano zenital; o plano de transição com uma bela panorâmica de Porto Alegre. Também não é difícil traçar um paralelo entre uma cena de homicídio de Ato Noturno e a icônica sequência da tentativa de assassinato da personagem de Grace Kelly em Disque M para Matar (1954) - em ambas, o assassino surge das sombras por trás de suas vítimas.
Ao lado disso, há um lado exibicionista e um erotismo intensos. A performance de Gabriel Faryas como Matias é camaleônica, de uma fluidez e entrega física que impressionam. Além disso, luzes saturadas preenchem os ambientes, enquanto a silhueta de corpos nus em contraste se destaca na composição de cena que a dupla de cineastas propõe. A tensão segue uma lógica crescente junto aos zooms que a câmera dá em direção aos personagens. Até mesmo o voyeurismo se faz presente de forma singela — o estopim para o lado trágico do filme se dá a partir da observação e do registro em vídeo de Matias e Rafael, realizado ilegalmente, e que pode colocar tudo em jogo.
Assim, não há dúvidas de que Ato Noturno é um thriller erótico LGBTQIAP+ autêntico. Marcio Reolon e Filipe Matzembacher não negam as grandes lições que tomaram com os mestres do gênero. Ao final, o filme se consagra como uma história de libertação dos jugos sociais limitantes. Mas o impacto talvez não fosse o mesmo se esse bom fetiche de libertação sexual não fosse executado com estilo e vontade.
Nota: 4/5





