Crítica | Pequenas Criaturas (Festival do Rio 2025)
- Guilherme Salomão

- 13 de out.
- 4 min de leitura
Quando o futuro surge na forma de um presente melancólico

Foto: Reprodução
Dirigido por Anne Pinheiro Guimarães — que faz sua estreia em uma direção solo após a parceria com Carolina Jabor em Transe (2022) —, o longa Pequenas Criaturas se sagrou como o grande vencedor da categoria de ficção na mostra competitiva do Festival do Rio 2025. O filme se passa em 1986, em Brasília, cerca de dois anos após o fim da ditadura militar. Captando o contexto de um país recém redemocratizado, a trama acompanha a história de Helena (Carolina Dieckmann), uma mãe cuidando dos seus dois filhos na ausência do pai — cujo destino em uma viagem de negócios, logo na abertura do longa, não é explicitado com exatidão em nenhum momento adiante.
A rotina dessa família em Brasília revela o que mais chama a atenção no filme: a forma como a diretora — que também assina o roteiro da produção — traz, a todo instante, um sentimento latente de inadequação dos personagens que apresenta para com o contexto de Brasília dos anos 80. Dos protagonistas aos coadjuvantes, todos eles, em algum momento, se sentem deslocados daquela realidade, tomados por insatisfação e infelicidade.
A integração da cidade à narrativa do filme, a partir disso, é muito bem pensada. A arquitetura de Brasília e sua relação com o futuro é um aspecto importante da narrativa. Os personagens, especialmente os jovens, debatem sobre o porvir, em especial sobre o medo e a ansiedade que sentem em relação a ele. Assim, a capital brasileira, com suas estruturas futuristas — como os próprios personagens descrevem —, torna-se o simbolismo de um amanhã que já chegou naquela realidade. Um futuro que, para esses personagens, é justamente o causador de melancolia. O Brasil pós-ditadura é um país ressentido, com marcas e cicatrizes ainda abertas.
A direção de Anne Pinheiro Guimarães, diante desse contexto, é interessante pela forma como escolhe transpor para a tela a sensação de deslocamento de seus personagens. A ideia que guia a cineasta é a de que essas pessoas são pequenas criaturas vivendo numa imensidão vasta que é Brasília. A decupagem de Anne não só evidencia essa temática com planos detalhe destacando pequenos insetos grudados, por exemplo, no para-brisa do carro da mãe, como também traz uma abordagem poética por meio da fotografia e dos enquadramentos.

Foto: Reprodução
São planos muito abertos que captam com muita sensibilidade a vastidão dos ambientes da capital brasileira. Esses planos gerais, aliados à fotografia de tons solares, fazem com que os personagens se tornem pequenos diante da imensidão de um céu azul ou das estruturas arquitetônicas futuristas daquela cidade. Essa abordagem da solidão e do isolamento se estende também às locações internas. Há momentos em que a Helena de Carolina Dieckmann está trancada em quartos e cômodos cercada por sombras. Já nas cenas noturnas, as silhuetas dos personagens se destacam em meio às luzes da cidade, com o contraste luminoso preenchendo a tela com muita poesia e beleza.
Assim, se acompanhamos momentos em que a mãe escolhe pelo isolamento em cômodos ou que o seu filho mais novo brinca isolado e o mais velho sempre expressa seu desprezo por Brasília, é bonito como todos eles, em algum momento, encontram formas de apaziguar esses sentimentos negativos. Seja por meio da relação com um vizinho; pelo cuidado com um cachorro ferido; pela amizade marcada por desabafos e conversas filosóficas com outro rapaz da região que também sente o vazio de uma ausência; ou até mesmo pela inocência de uma criança que acaba se envolvendo com um homem mais velho de comportamentos suspeitos, mas que, no fundo, não passa de um indivíduo tão solitário quanto todos os outros.
Ao longo dessa jornada, Anne também parece ter um apreço muito grande por diretores da Nova Hollywood. Foram muitos os filmes desse período histórico do cinema que abordaram a inadequação daquela geração com relação ao contexto dos Estados Unidos do final dos anos 60 até o início dos anos 80. Os "easter eggs" de Star Wars estão lá, mas há algo de George Lucas e seu American Graffiti (1973) em Pequenas Criaturas — principalmente nas situações corriqueiras, conversas e desabafos dos jovens. Francis Ford Coppola e seu Vidas Sem Rumo (1983) se refletem em uma "gangue" específica que vive em Brasília. Além deles, Spielberg também marca presença na relação dos jovens e suas bicicletas vagando pela vizinhança — além de uma revelação muito bonita envolvendo o irmão mais novo e a forma como ele encontra de suprir a ausência do pai como uma clara referência à trama do menino Elliot em E.T., o Extraterrestre (1982).
E por falar em reviravolta, essa bonita compilação de referências culmina em uma igualmente bela conclusão para o mais novo vencedor do Festival do Rio. Em meio a tanto vazio, há uma certa camada de aceitação desse horizonte pelos personagens, já que, protagonistas e coadjuvantes, decidem enfrentá-lo juntos. Assim, apesar da melancolia, o filme, no final, mostra que há esperança em se olhar para cima — mesmo com a possibilidade do que vemos não passar de uma mera ilusão, como a “esperança” pela chegada de alienígenas. Esse ecossistema de personagens solitários da diretora brasileira encontra, na união uns com os outros, enfim, uma forma de preencher esse vazio. Uma rede de apoio em um filme de bom gosto e sensibilidade pungentes.
Nota: 5/5





