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  • Foto do escritorFilipe Chaves

Análise | Vale a pena ver uma série teen de 20 anos atrás (ou mais)?

Uma ode aos fenômenos adolescentes que marcaram a TV, mas que hoje podem ser vistos com outros olhos

Foto: O.C.: Um Estranho no Paraíso/FOX


Eu sou fã confesso do gênero, mas não lembro exatamente qual foi a primeira delas que vi. Provavelmente Malhação, que eu lembro de acompanhar. Porém, das norte-americanas, sei que O.C.: Um Estranho no Paraíso foi uma das, em uma manhã de domingo junto com One Tree Hill (Lances da Vida) ou Veronica Mars. No dia 5 de agosto, a série dos jovens ricos de Orange County completa 20 anos de sua estreia na FOX dos Estados Unidos, e na terça-feira, a HBO Max finalmente disponibilizou as 4 temporadas do seriado na íntegra. No entanto, com tantas opções, será que ainda vale a pena dedicar seu tempo a 4 temporadas, com 3 delas passando dos 24 episódios? Será que não envelheceu mal? São questionamentos comuns e pertinentes.


É óbvio que uma série contemporânea é fruto da época em que se passa, seja na moda, tecnologia ou costumes e não à toa marcam gerações. A série adolescente mais antiga que eu vi foi The Wonder Years (Anos Incríveis). Estreou na rede ABC em 1988 e durante seis temporadas, abordava a vida de Kevin Arnold (Matthew Broderick), um garoto de 12 anos, sua família e seus amigos. Situada no final da década de 1960, e apesar da Guerra do Vietnã ser um tema recorrente, exalava inocência, pelo menos até as duas últimas temporadas onde Kevin já é um adolescente no colegial e começa a ter pensamentos mais avançados, digamos assim. É uma das melhores do gênero e sua importância é inegável, abordando temáticas importantes concernentes à idade de uma maneira sensível, embora peque pela falta de diversidade, um problema comum por muito mais tempo do que deveria.


Em 1990, a FOX estreou Beverly Hills, 90210, popularmente conhecida como Barrados no Baile por aqui, virou uma febre que durou dez temporadas e sua influência é sentida até hoje. Muitos dos clichês que permeiam essas tramas, como os triângulos amorosos – como esquecer Brenda (Shannen Doherty), Dylan (Luke Perry) e Kelly (Jennie Garth)? –, o conflito de classes, paixões proibidas, problemas com álcool e drogas, virgindade e tantos outros que passaram do cinema para a televisão, com mais espaço para o desenvolvimento. Com 293 episódios, não faltaram tópicos trazidos à tona, mas de novo, refletem a época que foram ao ar, e é vendo ou revendo hoje que podemos analisar com um olhar mais crítico. Como por exemplo, em um determinado episódio, Kelly sofre uma tentativa de estupro em uma festa de Halloween e seus amigos a culpam pela fantasia sexy que usava. Com o olhar de hoje, sabemos que a culpa jamais será da roupa ou da vítima, mas o episódio deixa a impressão que a mensagem é “meninas, não usem uma roupa muito curta, veja só o que pode acontecer”. É fácil problematizar a série, mas prefiro analisar com a ótica corrente e só constatar que os personagens estavam errados. Esse é só um exemplo em meio a tantos.


Há também séries que foram vítimas de seu tempo por serem à frente demais dele, como My So-Called Life, de 1994 e Freaks & Geeks, de 1999. Aclamadas pela crítica especializada, mas amargando baixa audiência, ambas foram canceladas em suas primeiras temporadas. MSCL era mais tradicional, mas tratava os assuntos de uma forma mais madura e com uma maior profundidade, além de trazer um personagem negro e gay com destaque, na pele de Rickie (Wilson Cruz). Já Freaks & Geeks trazia um humor mais crítico e um texto sarcástico sobre os questões da adolescência, com personagens cheios de carisma. Mesmo com uma vida curta, logo seus protagonistas viraram estrelas, Claire Danes, Jared Leto, Linda Cardellini, James Franco, Seth Rogen, Busy Philips e Jason Segel e as séries são cultuadas até hoje, por uma parcela do público, pelo menos.


Em 1997 apareceu Buffy, A Caça Vampiros, baseada em um filme de pouco sucesso de 1992, brincava com o estereótipo da adolescente loira líder de torcida, que geralmente era a primeira a morrer em filmes de terror. Estudante de dia e caçadora de vampiros à noite, a personagem de Sarah Michelle Geller não hesitava quando o assunto era derrotar os seres do mal, porém na parte adolescente a história era outra. E é nesse equilíbrio entre os gêneros que o sucesso foi certeiro e sua influência se expandiu. Os efeitos especiais são datados, todavia o incômodo é somente no início. A trama vai se tornando cada vez mais envolvente e não é gratuito afirmar que Buffy, A Caça Vampiros é referência. Seja na parte do terror, como na dramática, os temas são universais. Cito como exemplo “The Body”, um episódio sobre o luto que é o melhor da televisão sobre o assunto. Os efeitos especiais aqui são o de menos.


No ano seguinte, 1998, surge Dawson’s Creek, sem o elemento sobrenatural (com exceção de alguns especiais), focando em adolescentes questionadores e suas rotinas em uma cidadezinha. Famosa por seus textos longos e que possivelmente não seriam ditos por jovens, de início, tem uma boa 1ª temporada, mas deixa sua marca quando aborda a homossexualidade de Jack (Kerr Smith) e a bipolaridade de Andie (Meredith Monroe) no ano seguinte, temas até então pouco trabalhados no gênero. Foi a primeira série a exibir um beijo entre dois homens na televisão americana e não dá para ser lembrada só pelo triângulo amoroso de Dawson (James Van der Beek, Joey (Katie Holmes) e Pacey (Joshua Jackson). Como dizem os jovens, quebrou tabus. Claro, se vista hoje, há problematizações em certas vertentes, mas há de se louvar quem abriu algumas portas.


Finalmente chegamos aos anos 2000, e há 20 anos estreava O.C.: Um Estranho No Paraíso. Dosando muito bem o humor e o drama, com um texto esperto e cheio de referências à cultura pop, mergulhávamos na vida de uma restrita comunidade riquíssima. Ryan (Ben Mackenzie), um pobre forasteiro adotado por uma família de lá, era nossos olhos e o estranho no paraíso (como dizia o título dado pelo SBT). Apesar do tom leve, questões mais pesadas tinham relevância como o abuso de álcool na juventude ou o problemático irmão de Ryan. Ousada para a época, hoje poderia ser vista como datada, mas não por este que vos fala.


Ainda em 2003, pouco mais de um mês depois, estreava One Tree Hill (Lances da Vida). Comparada à Dawson’s Creek por se passar em uma pequena cidade, a série focava na relação conturbada dos meio-irmãos Nathan (James Lafferty) e Lucas (Chad Michael Murray) e na paixão dos dois pelo basquete. A problemática maior era como os bastidores refletiam na trama, principalmente no tratamento fetichista das personagens femininas dado pelo criador do programa, que anos depois foi denunciado por assédio pelas atrizes do elenco. Temos como exemplo Brooke (Sophia Bush), que sempre foi uma das mais queridas, mas de início era a típica vilã de uma nota só, que só falava em sexo, festas e bebidas. Conforme o tempo passa, ela ganha mais nuance e cai nas graças do público. É uma das minhas séries favoritas, e é sempre um prazer revê-la, mas é importante notar essas questões sabendo do que ocorria por trás das câmeras.


Em 2004 chegava Veronica Mars, que mesclava o teen com uma investigação mais sombria. Também se passando em uma comunidade rica praiana, Veronica (Kristen Bell) é excluída quando algo acontece (sem spoilers) e agora investiga o assassinato de sua melhor amiga. Sarcástica e com diálogos ágeis, a série coloca mais uma protagonista forte e decidida, que, assim como Buffy, A Caça Vampiros, poderia ser lida como frágil por ser mais uma “loirinha”. O equilíbrio entre os gêneros funcionou perfeitamente, e mesmo com os típicos clichês, conseguiu surpreender em boa parte de suas três temporadas (com uma 4ª em 2018).


Trazendo o futebol americano quase como um personagem, em 2006 estreava Friday Night Lights (Tudo Pela Vitória). Com um foco maior nos personagens masculinos, membros do time, colocou o racismo em discussão com Smash (Gaius Charles) e o fez de uma forma jamais apelativa, muito bem escrita e atuada, mesmo com um elenco majoritariamente branco. Em suas cinco temporadas retratou outras diversas temáticas importantes, e sempre muito bem, na maioria dos casos. Assim como os roteiristas, a gente finge que a 2ª temporada nunca existiu e aquela trama do assassinato, muito menos.


Em 2007, baseada em uma série literária e co-adaptada pelo criador de The O.C., surgia Gossip Girl, mas dessa vez a vida dos jovens ricos era apresentada no Upper East Side, em Nova York, e narrada por uma fofoqueira anônima. Não falta o que problematizar na série, dos relacionamentos tóxicos, ao constante bullying proporcionado por Blair (Leighton Meester), Chuck (Ed Westick) e cia, mas não significa que são comportamentos a serem replicados. As intrigas que aconteciam o tempo todo e o texto cheio de acidez norteavam os episódios. É uma fuga da realidade, quase como uma fantasia, e esse é um dos motivos para que ela tenha ido parar no TOP 10 da Netflix assim que voltou para o catálogo.


Todas as séries supracitadas sofriam com a falta de representatividade, seja de pessoas de cor ou pessoas LGBTQIAPN+ e as abordagens eram rasas, com algumas raras exceções que eu já mencionei acima. Por não gostar de musical, Glee nunca me apeteceu, mesmo eu tendo tentado até a metade de sua 1ª temporada. Porém, sua relevância no ponto de dar voz (com o perdão do trocadilho) à personagens que geralmente ficavam à margem, é inegável. Isso quer dizer que essas outras séries antigas não devem ser mais assistidas? De maneira alguma.


O gênero está em constante mutação e adaptação e por isso eu fui trazendo exemplos desde 1988, porque uma influencia a outra, e assim como nossos pensamentos, elas também vão mudando. Por exemplo, em 2009 estreia The Vampire Diaries, que mesmo sendo baseada em livros, bebe muito da fonte de Buffy, A Caça Vampiros, assim como Teen Wolf também bebe de ambas. Há ótimas séries teens no ar, algumas mais aclamadas como Reservation Dogs, Sex Education, Heartstopper, Eu Nunca… ou até outros sucessos como Euphoria, Outer Banks e Elite, e foram influenciadas pelas que eu citei, seja em maior ou menor grau, mas estas atuais têm uma diversidade muito maior e que não estão lá apenas para cumprir tabela. Dito isto, não é preciso soltar o velho para abraçar o novo, porque a arte não tem idade e todos podem andar de mãos dadas, tendo ciência que alguns pensamentos não são aceitáveis hoje em dia, mas algumas situações que adolescentes passam são as mesmas, quer seja em 1988 ou 2023, e com isso é impossível não se identificar. Então assista, por nostalgia, por escapismo, ou até pela manifestação mais legítima de todas: a vontade.

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