top of page
Background.png
capa-cabeçalho-site.png
Foto do escritorHosanna Almeida

Crítica | Air: A História Por Trás Do Logo

Novo longa de Ben Affleck brilha com ótimo elenco e execução carismática

Foto: Divulgação


Nenhuma alma viva consegue dizer não à febre dos anos 80. É aquela atmosfera que apela para a criança interior; a emoção, o suor, os fliperamas, as roupas legais, a boa música... Junte tudo isto ao fictício e extremamente atrativo american dream e pronto: está aí um excelente pano de fundo para construir qualquer tipo de filme. É meio caminho andado pra acertar. Nestes termos, é certo que o descontraído Air: A História Por Trás Do Logo, de Ben Affleck, garanta seus 50% de acertos já nos minutos iniciais do filme.


Utilizando do célebre 1984, de George Orwell, para situar a temporalidade do filme, temos Jason Bateman (num shaggy hair que talvez ele devesse adotar por uns tempos, mas essa é só a minha opinião) como o realíssimo Rob Strasser, à época responsável pelo marketing da Nike, numa reunião com outros desestimulados executivos da empresa, já que ela amargava o terceiro lugar com 17% no mercado de basquete totalmente dominado pela Converse e Adidas, respectivamente. O forte da norte-americana eram os esportes olímpicos (a ex-atleta Caitlyn Jenner é citada como uma espécie de outdoor da marca), com tênis e trajes de corrida. A Nike não era a primeira escolha dos atletas de basquete. Ou a segunda. Ou a terceira. E o 13º trabalho de Hércules que no longa é Sonny Vaccaro, personagem que Matt Damon interpreta com uma facilidade que dá gosto, que é um tipo de “olheiro”, é garantir que alguns jovens de times de basquete, ainda no ensino médio, criem vínculos com a marca, ganhando um par de tênis da Nike.


Hoje em dia é impensável não associar o swoosh (o nome daquele sinal característico que era pra ser um som) à cultura do basquete, do hip-hop, da cultura negra estadunidense em geral, mas em 1984 a divisão de basquete precisava de um milagre. Um não, alguns. Num momento de epifania, Sonny enxerga longe e vê que a salvação da companhia estaria nos pés do ainda rookie, mas já disputado pelas gigantes do ramo, Michael Jordan. O primeiro milagre seria fazê-lo querer usar um tênis da Nike, já que o jovem parecia ter horror à marca, que não tinha o drip. A escolha interessante do filme de não mostrar o rosto do jovem Jordan, e utilizar um dublê em cena, atrai a atenção ao invés de desviá-la. É o lendário Michael Jordan, quem não o conhece? E se, por acaso, houver alguém que entre à sala do cinema sem o conhecer, assim que sair, terá vontade de pesquisar sobre ele imediatamente. O rosto que não vemos está ali mais presente do que se de fato estivéssemos enxergando-o, de frente.

Foto: Divulgação


O outro milagre convencer o excêntrico coach bilionário budista-clichê e levemente ególatra Phil Knight, que Ben Affleck interpreta alternando entre a face emotiva e relacionável, e a face sarcástica e borderline impiedosa, com direito às perucas esquisitas, os óculos extravagantes, e os conjuntos nada esteticamente agradáveis, a liberar a verba que seria destinada ao patrocínio de pelo menos três jogadores para apenas um — e este um em questão que mudaria, e mudou a história da empresa. Assistir à progressão do tiro no escuro dado por Sonny, que apostou tudo (incluindo o emprego e a posição dos outros colegas) é um trajeto levemente (levemente mesmo) aflitivo, ainda que se saiba o final da história. O que torna o trajeto divertido são as atuações de Chris Tucker, em seu bom retorno à indústria após sete anos, como Howard White, que hoje é Vice-Presidente da marca Jordan na Nike. Ele é naturalmente engraçado, com um tipo de humor diferente do que o personagem de Ben Affleck explora. Enquanto Phil (Ben Affleck) desperta vergonha alheia, Howard (Chris Tucker) traz o tom da cena, seja ela inclinada à emoção - como na cena do telefonema - ou para momentos de descontração - na reunião com a família Jordan.


Se os 50% de acertos são pela ambientação, os outros 50% estão garantidos com o elenco, e deixe-me dizer, eu sei que Matt Damon é o protagonista deste filme, e ele está confortável e leve como o afetuoso, solitário e leal Sonny, mas Chris Messina e Viola Davis são dois motivos suficientes para continuar caso nenhum dos outros que eu citei sejam suficientes para segurar sua atenção. O desbocado, ganancioso, visionário e extremamente charmoso (é, eu sei) Chris Messina apresentou o famoso, que por mim até então era desconhecido, agente esportivo David Falk da melhor forma possível. E eu nem sei como ele é, mas acredito definitivamente que ele é assim. O cara rouba a cena e as interações por telefone (!) com Sonny (Damon) têm uma química incrível e vão arrancar boas risadas. Já Viola Davis é a Viola Davis e mostra porquê. Em entrevista, a atriz confidenciou o desafio de interpretar Deloris Jordan, a mãe e “mulher que orquestrou a carreira do grande atleta”, em partes pela responsabilidade e pela diferença no temperamento dela e de Deloris: ela tende a ser mais explosiva, já a mãe do astro é mais comedida. Mas, as grandes atrizes provam porque são grandes em papéis que parecem mais simples aos olhos do grande público. Com um tom contido que lhe é natural e um cuidado e força imponentes à uma mãe de um jovem negro em ascenção nos Estados Unidos, ela desempenha com beleza e maestria seu papel — que foi exigência de Michael Jordan para a realização do filme. Uma cena marcante é quando ela diz, neste tom de cuidado e convicção, a frase que encapsula a essência do filme: “a shoe is just a shoe until my son steps into it”.

Foto: Divulgação


Outro destaque em atuação é Matthew Maher (de Our Flag Means Death, Hello Tomorrow) como Peter Moore, o idealizador gráfico e mente por detrás do Air Jordan 1 e da clássica imagem que está presente em toda a linha Jordan. A idealização, confecção, até a apresentação do tênis aos Jordan são sequências interessantes pelas contextualizações. Em um desses momentos durante o processo, ficamos sabendo que, na época, a NBA exigia das marcas que os tênis utilizados na quadra tivessem a predominância da cor branca medida por uma porcentagem específica: 51%, e qualquer que fosse a desobediência, a marca pagava uma multa diária de 5000 dólares. O Air Jordan 1 nasce “transgressor” por ter as cores do Bulls, time de Jordan, e por não respeitar o decreto da NBA.


Os ‘pep talks’, aqueles discursos motivacionais, estão por aqui e por ali, mas isto não incomoda. O longa caminha bem, é carismático, e é a direção que conduz de modo satisfatório sem apelar. Uma bela cena, num formato que lembra o mockumentary, mescla o ar de descontração, realidade e apelo emocional numa conversa franca entre George Raveling, personagem interpretado por Marlon Wayans e Sonny Vaccaro.


Até para os céticos ou desacreditados de Ben Affleck como diretor, este é um filme para carimbar a cadeira dele no hall da direção, quer alguns queiram, quer outros não. Air: A História Por Trás Do Logo é um universo de referências para os admiradores das marcas, para os fãs de basquete, para os viciados na 80’s fever, ou para quem quer passar um tempo legal e ver boas atuações na telona. Inesperado como inspirar-se no comentário de um assassino à beira da execução para cunhar o lema da empresa (just do it), Air é uma ótima surpresa. Como se diz aqui em Salvador, Ben Affleck acertou grandão, sem medo.


Nota: 4/5

Posts recentes

Ver tudo

コメント


bottom of page