Crítica | Maurício de Sousa – O Filme (Mostra de SP 2025)
- Vinicius Oliveira

- 23 de out.
- 3 min de leitura
Propaganda corporativa embalada em cinebiografia esquemática com discurso de superação batido.

Começo este texto fazendo uma afirmação que vale por milhões de brasileiros e brasileiras nos últimos 50 anos: sou um grande devedor à Turma da Mônica na minha formação como leitor e criança. Com isso, não é difícil admirar a figura de Maurício de Sousa em decorrência da sua criação e o alcance nacional (quiçá global) que ela atingiu. Dito isso, a saturação das cinebiografias nos últimos anos me põe numa relação dúbia com Maurício de Sousa – O Filme, especialmente considerando o quanto o filme tem envolvimento direto da própria empresa criada pelo autor e deste próprio.
A escolha por Mauro Sousa, filho de Maurício, para interpretar o pai já é um indício de que as coisas estão bem “perto de casa”, por assim dizer. Cobre-se aqui da infância do autor até a consolidação do sucesso na vida adulta, com o caminho típico das cinebiografias: as origens, o papel da família, os grandes desafios, os momentos-chave, os percalços e momentos de “derrota”, a superação.
Que fique claro que o problema não está em se trilhar esse caminho. Cinebiografias recentes, como Better Man ou Homem com H (para citar uma produção nacional) trabalharam com essa fórmula, mas com um toque próprio no retrato de seus personagens que permitia se ver ali uma identidade. E é justamente identidade que falta a Maurício de Sousa – O Filme: tudo é tão esquemático, burocrático e derivativo que o que se vê em tela não difere em nada de tantos outros filmes biográficos já feitos. À parte do uso de tela dividida em algumas cenas para remeter à estética dos quadrinhos, a direção de Pedro Vasconcelos e Rafael Salgado carece de imaginação ou vivacidade, inclusive com uma montagem que beira o desastroso nos primeiros minutos, tamanho o excesso de cortes entre os planos ao ponto de prejudicar o entendimento das cenas.

Não ajuda (na verdade, só piora) o fato de que o filme entende que a completa adulação à Maurício é a solução para se fazer uma cinebiografia de qualidade. O personagem é tratado como um gênio, um poço de simpatia, sempre com uma solução pronta e que venceu tudo na base da persistência e da fé em seus sonhos. A construção de um discurso de superação barato (para não dizer conservador e neoliberal, mas nem vou entrar nesse mérito) se dá através de diálogos repletos de chavões que beiram o constrangedor, sempre com ênfase na unidade familiar como a resposta para os problemas – nesse sentido, a própria revelação do filme de que Maurício foi casado três vezes e tem dez filhos chega a ser cômica.
É inevitável não sentir a mão pesada da Maurício de Sousa Produções em todo o filme, higienizando e quase “santificando” o personagem. Ora, quem vai cair nesse conto da carochinha? As crianças? Aliás, o filme é até indeciso em seu tom, sem saber se é uma produção de caráter mais infantil e lúdico, como os longas-metragens anteriores adaptando os personagens do universo da Turma da Mônica, ou um drama adulto de caráter mais sério.
Novamente, a própria escolha de se trazer o filho do biografado para interpretá-lo se revela uma decisão equivocada, visto que Mauro, por mais simpático (e semelhante fisicamente ao pai) que seja, não tem a experiência necessária para conduzir uma produção com esse porte. Sua atuação se torna restrita a um sorriso largo e branco e caras e bocas, e é nítido o quanto ele empalidece perto dos seus colegas veteranos de tela, como Elizabeth Savalla, Thati Lopes ou Emílio Orciollo Neto (esse sendo o maior destaque do filme na minha opinião, mesmo que apareça pouco).
Se há alguma qualidade no filme, é em como ele consegue capturar a perspectiva do artista que elabora suas criações a partir das suas observações do cotidiano. As melhores cenas do filme advêm justamente dos instantes em que Maurício cria seus icônicos personagens a partir daqueles à sua volta ou das pessoas que passaram por sua vida. Independentemente se correspondem aos fatos ou não, são nestes poucos momentos em que o filme consegue trazer uma centelha de criatividade e também de respeito com seu personagem sem cair num lugar de bajulação.
Mas no geral, Maurício de Sousa – O Filme parece disposto a cumprir toda uma checklist de vícios e armadilhas nas quais as cinebiografias vêm caindo. Apela a um discurso tão batido e reducionista que fica mais do que evidente toda a sua tentativa de ser uma peça publicitária em favor da imagem de Maurício, minimizando ou ocultando tudo que possa ser controverso. Na tentativa de engrandecê-lo e mitificá-lo, acaba ficando aquém do seu legado. Na tentativa de evidenciar o gênio criador, perde-se de vista o homem
Nota: 2/5





