O indicado da Colômbia a filme internacional do Oscar não é seu habitual road movie aventuroso entre amigos
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Poucos sentimentos são tão intensos ao ser humano quanto a impotência e a subsequente angústia causada por ela. Talvez seja esse o motivo pelo qual escolhemos não nos demorar em certas questões que não podemos mudar. O desmate ambiental, a epidemia de consumo de drogas, as condições desumanas de trabalhadores das nossas lojas favoritas de fast fashion, a pobreza extrema… Mas vez ou outra aparecem obras como Os Reis do Mundo (Los reyes del mundo, 2022) e nos obrigam a encarar por 103 minutos aquilo e tentamos fugir. Sentados, distantes da tela. Impotentes.
A ironia é que o filme colombiano (produzido em parceria com França, Luxemburgo, México e Noruega) parte da premissa de corrigir injustiças. Numa política de reparação nacional, o governo restitui terrenos outrora roubados da população no interior do país e a avó de Rá (Carlos Andres Castaneda) lutou até sua morte para conseguir sua propriedade de volta, deixando-as, em escritura, para o neto. Das hostis ruas de Medellín, pobre e sem família – a não ser pelos seus quatro amigos-irmãos Nano (Brahian Acevedo), Sere (Davison Florez), Winny (Cristian Campana) e Culebro (Cristian David) – Rá embarca com seu grupo rumo à literal terra prometida. Porém, esse não é um road movie qualquer: desde o chamado à aventura, algo nos diz que qualquer sentimento bom de esperança seria tanta ingenuidade quanto a dos meninos.
Como de se esperar, a viagem é um misto de contemplação, reflexão, companheirismo e adversidades. Entre altos e baixos, e à medida que o enfado da viagem passa a tomar suas percepções, o enredo brinca com o que é real e o que é delírio, nunca deixando claro uma resposta que tampouco nos interessa. Rá é dono da terra, mas é informado que não pode tê-la. Vai mesmo assim, seguindo a luta da sua avó, sua revolta, o desejo de prover pelos amigos e dois idosos que certamente não passam de alucinação. Ao longo da viagem, perdem muito – inclusive alguns membros – e não ganham nada senão mais entendimento das injustiças de uma sociedade capitalista.
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A câmera nos bem coloca como um sexto personagem nessa missão, passando claustrofobia que a imensidão da floresta traz, ao mesmo tempo que consegue mostrar o acolhimento de um abrigo desconfortável. As excelentes atuações do elenco jovem são complementadas por voice-overs, que nos dão uma amostra de como os próprios meninos interpretam a jornada. A montagem e a trilha sutilmente dão o tom da narrativa, trazendo leveza e a verdadeira sensação de soberania implícita no título nas cenas em que os meninos tomam a estrada em sua bicicletas ou brincam de tomar banho – contudo, esses suspiros são sempre espremidos entre sequências sufocantes de violência e intolerância. Tanto que, em certo ponto, o espectador se põe a questionar se não está diante de uma exploração descomedida da miséria.
Não que o filme romantize a pobreza (como, ao meu ver, faz Nomadland). Se encontra, na verdade, do outro extremo. A denúncia que, no início do filme, se promete sensível, eventualmente se torna tão hiperbólica e exaustiva que por partes flerta com um sadismo fora de lugar.
É esse o gosto que fica ao final de uma viagem que vai do nada a lugar nenhum. Ambiciona-se ser um retrato cru de jovens à margem da sociedade colombiana (e facilmente aplicável à toda a América Latina), sem direito à família, educação ou sequer um nome digno. Em certa medida, cumpre esse papel, deixando uma revolta pulsante e a tal da impotência angustiante. Mas tamanha é a exploração narrativa de tais injustiças que, negligentemente, compromete tudo o que resta aos seus protagonistas: sua dignidade.
Nota: 3,5/5
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