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Crias do Brasil #02 | Kelner Macêdo: “Atuar me alimenta"

  • Foto do escritor: Aianne Amado
    Aianne Amado
  • 1 de jul.
  • 9 min de leitura

Destaque da nova geração de atores nacionais, o ator-pesquisador celebra sua trajetória sem tirar os olhos do futuro


Dando sequência ao projeto Crias do Brasil, que em sua primeira edição entrevistou o alagoano Luciano Pedro Jr., hoje trazemos mais um célebre nordestino: Kelner Macêdo. Com sua recente estréia em Guerreiros do Sol, novela do Globoplay e sua escalação para viver Cristian Cravinhos, o assassino do Von Richtofen em Tremembé (Daniel Lieff, PrimeVideo), 2025 vem se consagrando como importante marco em sua carreira – fruto direto de sua rica trajetória profissional, que já soma mais de uma década, se desafiando em diferentes mídias e diversos papeis.


Confira abaixo a entrevista completa com Kelner:


Aianne Amado (Oxente Pipoca): Quando surgiu, no menino de Rio Tinto, na Paraíba, o desejo de ser ator? Foi algo precoce ou uma descoberta mais tardia? E como você percebe o impacto da sua origem geográfica e cultural na sua trajetória artística?


Kelner Macêdo: Eu adoro falar sobre o meu trabalho, acho que é bom a gente falar sobre a nossa trajetória para a gente se reconhecer também… eu acho que a gente vai vivendo tanto, tanta coisa, tanta coisa, que às vezes a gente não para pra ver os passos que a gente já deu para chegar até aqui.


E o desejo de ser ator veio de criança mesmo. Eu nasci em Rio Tinto, que é uma cidade da Paraíba, que tinha 20 mil habitantes, eu acho, na época – hoje deve ter um pouco mais – mas que não tem teatro, não tem cinema, não tem… sentidos. Então [ser ator] foi um sonho, um desejo, um impulso que surgiu muito de mim, mesmo, sabe? Eu vendo novela, assistindo televisão, vendo filme e eu ficava tentando entender, ainda muito criança assim, como que as pessoas faziam para caber lá dentro. Eu achava que tinha uma pílula de encolhimento, alguma coisa assim, sabe? Coisa de criança. E eu perguntei isso para minha vó um dia. Falei: "Vó, como é que eu faço para entrar lá dentro"? Ela falou: "ih, meu filho…" [risos] e aí isso ficou ali guardado.


Na escola, toda oportunidade de apresentação que tinha, eu ia lá, me jogava – eu era bem tímido! Mesmo assim, era onde eu perdia a timidez, onde eu me expressava, onde eu me encontrava mesmo no mundo. Mas eu não tinha referencial de como que seria viver sendo ator, já que eu vivia numa cidade que não tinha incentivo algum e que não existiam outros atores né?


Então eu não conhecia um ator e não sabia como que fazia para viver como ator. E aí quando eu acabei o meu ensino médio, eu fiz psicologia – eu fiz metade do curso de psicologia. Quando cheguei no meio, eu tava feliz pelo curso – eu me dava bem, fazia bem – mas aí eu falei: "cara, eu não vou conseguir clinicar a vida inteira". Entrei de férias e me inscrevi no curso de teatro de férias. Acabou. Acabou!


Fui picado pelo bichinho do teatro e aí me apaixonei completamente, me encontrei. Acho que… ah, eu acho que é muito um um um encontro consigo mesmo, o ser ator, o se descobrir ator e foi bom me encontrar, sabe? Me ver de fato de alguma maneira pela primeira vez. E isso me encantou profundamente. Falei: “Cara, é isso. Psicologia, foi lindo até aqui, mas eu vou seguir pelo teatro”. E aí as coisas foram acontecendo também, quando eu falei esse sim – porque veio, né? É a questão: “é ou não é ou não é ou não é?” E eu falei: “é”. Eu acho que quando a gente responde num sim para um mundo, o mundo falam sim para gente também. E aí as coisas foram acontecendo a partir desse sim.


Aianne Amado (Oxente Pipoca): Este ano marca um momento importante na sua carreira, com papéis de destaque em duas produções de grande alcance popular. Para muitos, você desponta como uma “revelação” — mas sabemos que há mais de uma década de estrada, desde o curta “Terceiro Prato”, em 2014. Como você enxerga essa caminhada e o modo como ela moldou sua ascensão até aqui?


Kelner Macêdo: Como eu te falei, as coisas foram acontecendo muito organicamente, digamos assim, né?


Eu estudava teatro em João Pessoa e o cinema foi acontecendo paralelamente, porque antes de começar o bacharelado em teatro apareceu um teste para um filme que foi meu primeiro curta, lá na Paraíba em 2013. E eu fiz esse teste para esse filme e eu passei sem saber absolutamente o que eu tava fazendo. Ainda muito nascendo mesmo para coisa, vendo as coisas brotarem dentro de mim. E aí foi um encantamento!


E acho que as coisas foram acontecendo muito organicamente, como eu falei, numa trajetória onde a gente vai construir vindo pouco a pouco – muito aos poucos.


Eu comecei fazendo uns curtas na Paraíba e aí veio a possibilidade de fazer um longa, que foi o Corpo Elétrico, o filme do Marcelo Caetano – que aí sim, eu acho que foi o que me revelou para o mercado. Que foi em 2017, a gente lançou esse filme e rodou muito bem. Fui muito feliz fazendo o filme, viajando com ele. E aí veio a televisão, vieram outros filmes e chega 2025 com esses dois trabalhos que eu acho que marcam não só um reconhecimento – porque é um espaço maior que se abre para o meu trabalho se apresentar – mas eu acho também que representa uma mudança de perspectiva minha e do mercado para mim. Porque são dois trabalhos que fogem muito das coisas que eu já vinha fazendo nesses últimos anos. Então, eu acho que são perspectivas novas, assim, de frentes novas que se abrem, sabe? Porque são tipos de homens muito diferentes dos tipos de homens que eu fiz até aqui. Então, eu acho que muda o olhar, acho que muda a perspectiva mesmo.


Acho que a gente vê muito o trabalho pronto e tal, e a gente não faz muita ideia da trajetória que se fez para chegar num trabalho desses: séries de “nãos”... até esses que você fala: "uou, é meu", e aí você dá tudo de si! Se lança ali nesse abismo. Mas é isso, é uma trajetória cheia de altos e baixos, mas com muitos momentos felizes. Eu posso falar que os trabalhos que eu fiz, acho que rolou uma escolha meio mútua, porque eu eu fui muito feliz fazendo com todos eles, sabe?


Aianne Amado (Oxente Pipoca): Você já atuou em diversos formatos — cinema, séries, novelas, teatro, videoclipes. Existe algum que ofereça, na sua opinião, maior liberdade artística? E qual deles mais lhe toca no retorno do público?


Kelner Macêdo: Olha, eu preciso voltar para o meu lugar de saída, que é o teatro, né? Que é o que me deu tudo, no final das contas: o que me deu entendimento sobre a coisa, o que me deu base para poder viver em grupo, para poder pensar em grupo, a feitura das coisas… todas as etapas, todos os processos, a gente participa no no teatro. No cinema e na TV, a gente não participa de todos os processos. Eu acho que tem muitas outras camadas que vão se sobrepondo à nossa criação também – no teatro também, mas acho que no teatro a gente acompanha isso mais de perto.


Mas o audiovisual foi uma coisa que me capturou e eu estou amando fazer. Eu acho que os personagens vão ficando mais complexos também, quanto mais o tempo passa e o quanto mais a gente envelhece, né? E mais a gente tem para dar também, mais ferramentas a gente acumulou ali nesse tempo que passou. Acho que está gostoso ver essa trajetória no audiovisual e ver o quanto muda realmente, o quanto o nosso repertório vai se alargando. E aí a gente vai, opa!, encontrando outras possibilidades ali, dando outros contornos e… ah, eu tô muito apaixonado pelo audiovisual.


Aianne Amado (Oxente Pipoca): Com “Guerreiros do Sol”, você participa de uma novela — o formato de maior alcance da cultura de massa no Brasil — que trata de uma história nordestina. Como você recebe esse convite? Há um peso simbólico para você em estar nesse lugar, representando essa narrativa?


Kelner Macêdo: Olha, eu acho muito simbólico, sim, a gente tá falando sobre isso agora. Guerreiros do Sol é uma novela que me fez revisitar o passado, que me fez dar uma volta e lançar o olhar sobre tudo que veio antes, sabe? E sobre os muitos passos que a gente deuU para chegar até aqui mesmo. Porque dos cangaceiros para cá muita coisa aconteceu, muita coisa mudou, muita coisa continua parecida – muitas lutas ainda são parecidas.


Guerreiros do Sol me fez mergulhar na minha ancestralidade, revisitar o meu sotaque – porque muitas vezes nos trabalhos a gente precisa aliviar o sotaque, a gente precisa neutralizar o sotaque, como se existisse o sotaque neutro e a gente precisa camuflar o nosso sotaque em alguns trabalhos –, e ver uma obra dessa, dando protagonismo para o Nordeste, resolvendo olhar para isso e contar essa história e adicionando novas perspectivas sobre essa história que já é conhecida, porque o cangaço faz parte de um imaginário popular, mas o Jorge Moura e o Sérgio Goldberg escolhem trazer novas perspectivas dentro desse enredo do cangaço: as relações humanas que se dão ali em meio a esse período de escassez que interessa a gente nessa obra.


Isso foi muito bonito entre a gente também – entre o elenco que a Marcinha [Márcia de Andrade], que é a produtora de elenco, conseguiu reunir. É uma pesquisa que eu olho e eu falo: "uau!". O elenco é sensacional, só gente maravilhosa, gente muito talentosa e ganhando espaço de protagonismo. Com nossos sotaques, porque somos muitos de muitos lugares. Muitos nordestinos numa obra nordestina! Isso é lindo, porque realmente tem uma magia que acontece ali na hora: quando você começa a ouvir aquele sotaque que você fala: "gente, é real", e isso faz toda diferença, eu acho, nessa obra também. Reunir essas pessoas que que compartilham também desse imaginário, sabe?


Aianne Amado (Oxente Pipoca): Além de ator, você se define também como pesquisador. Como esse trabalho se estrutura na sua vida? Em que medida a pesquisa alimenta a sua atuação e vice-versa?


Kelner Macêdo: Eu venho do Bacharelado em Teatro da Federal da Paraíba, e lá é uma formação de ator, mas é uma formação de ator pesquisador, então, acho que tá muito ali no meu lugar de saída mesmo: meu interesse pela pesquisa e em João Pessoa.


Eu trabalhava com um grupo de teatro, por exemplo, que a gente pesquisava performatividade, autobiografia, gênero, sexualidade, a gente fazia um trabalho na rua, de uma peça de rua, que era o projeto Corpos de Saia. E aí eu sigo nesses interesses que vão mudando um pouco de foco. Agora eu estou muito interessado no audiovisual mesmo, nesse desenvolvimento assim, nessas ferramentas que eu vim acumulando em todos os processos que eu passei, entendendo o que me serve, o que me conecta mais rápido. Então, isso me interessa essa também.


E a pesquisa de elenco também, que acabou surgindo no meu caminho. Eu já trabalhei com o Marcelo Caetano e o Gabriel Domingues, fazendo assistência para eles e pesquisa de elenco em alguns filmes como Bacurau [Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles, 2019], como Propriedade [Daniel Bandeira, 2022]. E isso me abriu também para um outro campo que é essa direção de elenco, essa pesquisa de elenco, esse interesse em pensar esse grupo, em dar cara a esses personagens, em buscar esses atores, em testá-los.


Eu me interesso muito por atuação. Eu acho que [atuar] é um momento de tanta empatia que na vida eu acho que é muito difícil a gente experimentar o que a gente experimenta na cena, sabe? Porque talvez seja o momento mais empático do mundo, porque você vai interpretar, sei lá, um cara que tá cometendo um assassinato, mas é isso: dentro dele tá passando 1.000 coisas, tem tudo que aconteceu antes, tem tudo que vem depois e que é muito distante da gente, mas que a gente também precisa se aproximar e e e buscar esses entendimentos mesmo das coisas que tão acontecendo.


Aianne Amado (Oxente Pipoca): O que te move a continuar atuando? O que ainda te desafia ou te instiga, depois de mais de dez anos de carreira? Existe algum ídolo cuja carreira te inspira?


Kelner Macêdo: [após uma longa pausa] Olha, eu acho que atuar me alimenta. Atuar me desafia para a vida, atuar me coloca em risco e eu me sinto muito vivo quando eu faço isso. Acho que é isso: é um retro-alimento ali.


Tem vários momentos que dá vontade de desistir mesmo, de pensar: "Nossa, eu não aguento mais essa vida, cara”. E às vezes realmente é muito difícil. Mas quando a coisa tá acontecendo, não sei, é mágico! Muito transformador! Eu mudo muito a cada trabalho e isso me alimenta a olhar para frente, a ter perspectiva, sabe? Quando eu penso em trabalhar, eu penso em perspectiva de vida, de tempo, de querer viver muito para poder fazer muita coisa.


Acompanhe Kelner Macedo em suas redes sociais para acompanhar passos futuros de sua carreira. E claro, aqui no Oxente Pipoca, também seguiremos de olho!

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