top of page
Background.png

Crítica | Hedda

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • 27 de nov.
  • 3 min de leitura

Tessa Thompson e Nina Hoss abrilhantam o jogo de seduções e aparências dirigido por Nia DaCosta.

Imagem: Divulgação
Imagem: Divulgação

Há uma constante atmosfera de morte pairando sobre Hedda desde sua primeira cena, onde a personagem-título (Tessa Thompson) reage com certa indiferença ao fato de que uma pessoa foi baleada na festa realizada em sua casa. Mesmo quando voltamos aos eventos que culminaram nesse tiro, essa atmosfera permanece, seja na tentativa de suicídio implícita de Hedda (e que dialoga com sua cena final) ou na constante exibição de armas antes e durante a festa.


Essa sensação de mau agouro ajuda a nos lembrar constantemente de que o que estamos vendo em tela é uma grande farsa, um jogo de aparências onde todos usam máscaras enquanto fazem de tudo para serem aceitos neste meio social. A começar pela própria Hedda, interpretada por Thompson como uma mulher disposta a tudo (tudo mesmo) pelo controle da própria vida. A fala mansa, o olhar sedutor, os gestos calculados, o meio-sorriso: Thompson faz uma performance tão dissimulada que é impossível não se deliciar com suas maquinações, bem como o descontrole que emerge a partir do momento em que vemos Eileen Lovborg (Nina Hoss) entrar em cena.


Mesmo antes de Hoss aparecer em tela, a direção e o texto de Nia DaCosta não nos negam que essa mulher é o grande amor da vida de Hedda, ao invés do seu patético marido George (Tom Bateman) ou o cínico amante Brack (Nicholas Pinnock). A primeira cena de Hoss é filmada com tanto impacto – reduzindo os sons ambientes e a música quase ao silêncio – que é impossível dissociar nossa reação da de Hedda, como se ficássemos sem ar tanto quanto a personagem. Assim, a grande força de Hedda vem da oposição e da tensão entre as duas personagens, e é quando orbita entre elas e se centra nas performances de Thompson e Hoss que ele mais brilha. Não que o restante do elenco não seja competente, mas sabiamente DaCosta confere o maior foco da obra a elas.

Imagem: Divulgação
Imagem: Divulgação

A diretora também se empenha em conferir o maior dinamismo possível ao filme, como se numa tentativa de afastá-la das suas raízes teatrais (trata-se de uma adaptação da peça homônima do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen). Assim, os movimentos de câmera, sempre acompanhando intensamente os personagens ou adotando uma câmera mais trêmula e instável, a trilha percussiva e jazzística de Hildur Guðnadóttir, ou as releituras em termos de questões de raça, gênero e sexualidade, são alguns dos meios pelos quais DaCosta cria uma obra ligeiramente anacrônica, interessada em oferecer uma nova visão sobre a peça de Ibsen. 


Tenho para mim, contudo, que na tentativa de se afastar da natureza teatral do texto, a diretora acaba por fazer um trabalho que está um tom acima do próprio filme. Como resultado, diversas cenas que pedem por maior silêncio e introspecção, ou que estão mais ancoradas no texto e na performance do elenco, acabam por ser sobrecarregadas pela câmera enérgica ou a trilha um tanto intrusiva de Guðnadóttir. A própria atmosfera agourenta do filme acaba sendo saturada pelo mergulho numa tensão que quase nunca se concretiza, até mesmo no clímax ou na sequência final.


Apesar dessa discrepância tonal, Hedda é um interessante estudo sobre desejos, repressões e dissimulações, sobre até onde se é possível ir para se obter tudo que queremos ou achamos ter direito. É um desvio interessante por parte de DaCosta, que consegue imprimir uma visão aqui certamente mais autoral do que nos blockbusters recentes que dirigiu, e brilha sobretudo pela intensidade magnética de Thompson e Hoss, com duas das minhas performances favoritas do ano.


Nota: 3.5/5 


bottom of page