Crítica | Sorry, Baby
- Vinicius Oliveira

- há 16 horas
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Eva Victor navega com fluidez de gênero(s) e sensibilidade para tratar de um tópico doloroso.

Na esteira do #MeToo e movimentos que denunciaram diversos casos de abuso e assédio na indústria do entretenimento e em outros espaços, não foram poucos os filmes que abordaram a temática. Entre as muitas discussões sobre como retratar esse tipo de violência e sobre quem deveria ter a palavra para retratá-la, é fato que as abordagens foram variadas, bem como os resultados.
Entra Eva Victor, que em seu longa de estreia Sorry, Baby (o qual também roteiriza e estrela) mostra que, longe de se determinar que haja um único viés para se falar sobre a violência sexual, ainda há espaço para abordagens únicas. Não é que o longa exatamente reinvente a roda, mas a sensibilidade e as escolhas formais de Victor ajudam a trazer um frescor e leveza – sim, leveza! – perante um tópico tão difícil.
Adotando uma estrutura não-linear, Sorry, Baby acompanha Agnes (Victor), uma professora de uma faculdade de inglês na Nova Inglaterra que lida com a depressão e o isolamento após ser abusada sexualmente. Ao empregar essa estrutura – onde primeiro acompanhamos Agnes no presente, em suas interações com a melhor amiga Lydie (Naomi Ackie), antes de vermos os eventos relacionados ao abuso –, Victor já tira a violência do centro da narrativa. O interesse não está no abuso em si, mas sim nas marcas deixadas na vítima e como ela ainda assim continua a viver, mesmo que não sinta que está vivendo. São informações sutis nesta primeira parte (o uso de sombras que bebem do horror, silêncios desconfortáveis, a linguagem corporal de Agnes) que nos indicam que algo aconteceu à personagem.

Mesmo quando o filme enfim nos revela o que houve, tudo é feito com um olhar que se permite ser distanciado, mas jamais desprovido de empatia. Tudo de que Victor precisa é de planos abertos e estáticos da casa onde ocorre o abuso, com cortes que evidenciam a passagem do tempo, e depois planos mais subjetivos da fuga de Agnes para nos dizer tudo que precisa ser dito. O ato de dar à protagonista a palavra sobre o que aconteceu num monólogo dilacerante (gravado em um único plano) é também uma forma de dar agência a ela e não nos deixar dúvida sobre o que aconteceu, mesmo que não ignore o que pode ser entendido como “brechas” e “nuances” desse tipo de violência, onde mesmo a vítima se vê incerta diante do que aconteceu. Esse aspecto de incerteza me fez lembrar do controverso Depois da Caçada, ainda que lá a dúvida e ambiguidade sejam muito mais os motores narrativos do que aqui, onde o interesse de Victor é por acompanhar o depois da vida de Agnes. Outra comparação cabível é com a minissérie I May Destroy You, onde Michaela Coel mostrava com excelência a humanidade e as contradições que cercam mulheres que passaram por tais experiências.
Evitando os caminhos muito óbvios, Victor está sempre tratando a personagem e a narrativa com sutileza, mesmo em instantes como o monólogo. Há o peso daquilo que não é dito, ou do que não se dá para articular em palavras. Exemplo disso é a cena de Agnes com Pete (John Carrol Lynch, roubando a cena em uma aparição tão curta), onde ela descreve o que é conviver com o peso do abuso sobre sua mente e seu corpo. A composição da personagem é um acerto, inclusive na maneira como Victor traz elementos da sua própria não-binariedade para ela (a cena do preenchimento do formulário, a sua linguagem corporal, o figurino, etc) sem apelar para o didático. E ainda que este seja o filme de Victor em muitas frentes, inclusive na atuação, o elenco coadjuvante é um grande acerto, com Lynch e Ackie sendo outros destaques – esta última por conseguir transcender o tropo da melhor amiga negra – mas também nomes como Louis Cancelmi, Lucas Hedges e Kelly McCormack.
Assim, o texto de Victor, aliado à sua direção, emprega um olhar sempre de muita sensibilidade e consideração para com Agnes. Não se furta a um certo humor que emana do inesperado e do desconfortável, o que ajuda a aliviar um clima a princípio pesado, mas se distingue sobretudo pela empatia e por não esconder as contradições e nuances que marcam uma vítima de abuso, entendendo-a antes de tudo como um ser humano. E esse é um dos motivos pelos quais Sorry, Baby consegue se distinguir em meio à seara de filmes que trataram de um tópico tão difícil e, em muitas maneiras, ainda tabu.
Nota: 4/5





