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Foto do escritorÁvila Oliveira

Entrevista | Amanda Pontes e Michelline Helena falam sobre “Quando Eu Me Encontrar”

Atualizado: 3 de out.

Longa cearense foi vencedor das categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro pelo Júri da Crítica no festival Olhar de Cinema 2023

Foto: Divulgação/ Embaúba Filmes


Estreia no dia 19 de setembro o drama Quando Eu Me Encontrar, primeiro longa-metragem das cineastas Amanda Pontes e Michelline Helena. No filme, a partida de Dayane (Larissa Góes) se desenrola na vida daqueles que ela deixou para trás. Sua mãe, Marluce (Luciana Souza), faz de tudo para não demonstrar o choque que a partida da filha lhe causou. A irmã mais nova de Dayane, Mariana (Pipa), enfrenta alguns problemas na nova escola onde está estudando. Antônio (David Santos), noivo de Dayane, se vê num vazio diante da partida dela e busca obsessivamente por respostas.


Em entrevista exclusiva ao Oxente, Pipoca?, as diretoras falaram sobre o processo criativo, suas influências e o espaço feminino no cenário do cinema cearense.


Ávila: De onde surgiu essa ideia de fazer um filme sobre uma protagonista que não se vê e que só conhecemos através dos outros personagens que orbitam ao redor dela? De quem partiu a ideia e como ela tomou forma?


Amanda: Nós trabalhamos juntas há bastante tempo. Nós escrevemos e dirigimos juntas, mas também trabalhamos dentro do mesmo grupo, fazemos parte da MaRRevolto Filmes, então temos essa cumplicidade na criação. As primeiras linhas do roteiro começaram a ser escritas em 2016. No nosso primeiro curta, que se chama Do que se Faz de Conta, a protagonista tinha uma melhor amiga que se chamava Dayane e havia uma cena em que essa amiga dizia que ia embora, e isso foi uma cena só, era um detalhe dentro do curta, mas era algo que de vez em quando a gente se pegava pensando: “Como é que foi isso?”; “O que será que aconteceu com a Dayane?”; “Para onde ela foi e quem ela deixou para trás?”.

E era uma conversa que a gente tinha recorrentemente, e começamos a nos debruçar um pouco sobre esse tema da ausência e de temáticas que sempre permeiam a nossa filmografia, como relações familiares, de maternidade e de expectativas em relacionamentos afetivos. Foi um projeto que trabalhamos por alguns anos até conseguir ser concretizado, então muitas coisas foram se agregando ao longo do caminho. Chegamos a iniciar uma pesquisa com mulheres que tinham ido embora de Fortaleza, sem motivo aparente ou definido, e isso virou inclusive um documentário que a gente realizou, que se chama Topofilia. E através dessas vivências e conversas a gente também ia traçando um caminho daqueles que ficaram para trás. Até que a gente viu que queria falar era das pessoas que ficavam. A Dayane é um dispositivo, é um estopim, a ausência dela é muito sentida, e a gente queria entender como essas vidas se reconfiguravam com essa ruptura tão repentina.


Michelline: Além disso, Fortaleza é uma cidade com muitas pessoas que vão. A gente tem muitos amigos que vão morar, estudar, trabalhar em outro lugar, e nós somos as pessoas que resolvem ficar. É uma escolha nossa ficar, e queríamos falar dessas pessoas que ficam, porque achamos que já há muita história contando sobre quem vai, como estão suas trajetórias - o que é interessante também -, mas a gente sentiu essa necessidade de falar um pouco desses que ficam e como sentem a ausência de quem foi.


Ávila: Teve alguma grande mudança no roteiro original até o resultado final? Algo que vocês achavam que seria importante e durante o processo viram que não fazia mais sentido?


Amanda: Sim, como na verdade a gente demorou muito para realizar o filme, o roteiro foi se transformando e incorporando sugestões de parceiros. Mas eu lembro que um ponto presente desde o início do roteiro era a presença de algumas inserções em voz da Daiane para além das pessoas que ficaram; seriam uns trechos de poemas que falavam um pouco sobre ela e quem era ela. E aí chegou o momento em que a gente percebeu que aquilo ali na verdade era muito mais a gente querendo dizer sobre Dayane do que aquilo que a personagem diria, e isso caiu completamente na realização.


Michelline: O próprio personagem do Antônio também se modificou bastante, porque a gente entendeu que não queríamos que ficasse claro ou que existisse um culpado para a Dayane ter ido embora. Então algumas cenas que a gente tinha com o Antônio foram sendo limpas para que não parecesse que ela estava indo fugindo dele, porque não se tratava disso. A gente queria que as pessoas pensassem o que elas quisessem. Eu acho que é uma preocupação que sempre tivemos foi que: primeiro, não existe um culpado; e segundo, ninguém deveria pensar que a Dayane estivesse morta, sequestrada ou coisa assim. Sempre foi importante mostrar que tinha sido uma escolha que ela tinha feito. E a partir daí a gente discutiria o protagonismo feminino.

Foto: Divulgação/ Embaúba Filmes


Ávila: Como esse é o primeiro longa-metragem de vocês eu gostaria de saber quais são as suas influências. Em quem vocês se espelham no cinema brasileiro ou internacional e tomam como referência?


Amanda: Acho que para esse filme especificamente a gente talvez nem citaria referências específicas, é um mix de coisas que a gente assiste e admira. No cinema brasileiro temos muita identificação com o tipo de cinema feito pelo pessoal da Filmes de Plástico, o André (Novais Oliveira) e o Gabito (Gabriel Martins), principalmente no que diz respeito ao registro de atuação, que é uma coisa que a gente busca trabalhar, com o naturalismo.


Michelline: A própria Grace Passô também, no que ela tem escrito recentemente e nas atuações.


Amanda: E teve um filme que que inspirou algumas coisas do roteiro, da Marília Rocha, que também é mineira, A Cidade Onde Envelheço. Eu julgo ser uma das referências mais diretas, por tratar de questão de pertencimento, de chegar, de partir. Foi um filme que foi lançado na época em que a gente estava trabalhando no roteiro. E da filmografia internacional, a gente gosta de citar sempre as mulheres: Céline Sciamma, Jane Campion... as nossas guerreiras que resistem nesse universo de patriarcado que se resvala no cinema também.


Ávila: Para finalizar, queria que vocês comentassem sobre o bom período de colheita que o cinema cearense vive. Para além da quantidade, a qualidade dos filmes que o Ceará vem lançando é inquestionável. E é bom ver artistas locais nos cinemas em mais de um filme no mesmo ano, como o David Santos e o Lucas Limeira. Quais perspectivas isso traz para vocês, pessoas que, como vocês disseram, escolheram ficar aqui?


Michelline: Eu fico muito feliz com o atual momento do nosso cinema. Estamos com 7 longas em cartaz e são filmes bem diversos e bons. Os próprios colegas acabam virando referência para gente com tudo que eles têm feito. O Pedro Diógenes, de A Filha do Palhaço, inclusive é nosso parceiro; escrevemos o roteiro do filme dele juntos, e ele esteve muito presente nas discussões do nosso filme. Então isso deixa a gente muito feliz, mas ao mesmo tempo acho que ainda tem que se caminhar bastante, ainda tem muita coisa para ser mostrada, que está pronta e ainda não saiu. Acho que a (lei) Paulo Gustavo tem ajudado muito na distribuição desse cinema que já vinha sendo feito. O próprio Pedrinho (Diógenes) já está no seu décimo longa e só agora conseguiu fazer uma distribuição mais encorpada.


Entretanto, a participação das mulheres ainda é muito pequena, longe do ideal. A gente teve inclusive acesso aos dados agora de um conteúdo que está sendo escrito sobre os 100 anos do cinema cearense e fiquei chocada porque de 1995 para cá, o nosso filme é o nono longa dirigido por mulheres apenas, entendeu?


Amanda: Em 30 anos, 15% de 55 longas, 8 foram dirigidos por mulheres.


Michelline: E desses sete filmes que estão em cartaz agora só o nosso foi dirigido por mulheres. Então a gente queria muito ver essas pessoas com seus filmes passando nas telas por aí.


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