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Crítica | Apenas Coisas Boas (Olhar de Cinema 2025)

  • Foto do escritor: Vinicius Oliveira
    Vinicius Oliveira
  • há 1 dia
  • 3 min de leitura

Em mistura ousada (e na maior parte do tempo bem-sucedida) de gêneros, Daniel Nolasco ressignifica códigos de masculinidade e amor por uma ótica queer.

Imagem: Divulgação
Imagem: Divulgação

Se eu ganhasse um real para cada vez que tivemos em 2025 um filme produzido em Goiás que utilizasse dos signos do faroeste para contestar as noções enraizadas de masculinidade, teria um total de dois reais, o que não é muito, mas é curioso que tenha acontecido duas vezes. Mas apesar das inevitáveis comparações, Apenas Coisas Boas têm pouco a ver com Oeste Outra Vez, explorando a beleza cinematográfica dos pastos verdejantes do interior goiano para narrar a história de amor entre dois homens que se transmuta em algo muito diferente (e agridoce) com o passar do tempo.


Desde os primeiros minutos, Daniel Nolasco imprime uma forte carga queer para este universo que indica um certo ar de anacronismo, especialmente quando entendemos o período em que a obra se passa inicialmente. As roupas, os signos visuais, a exploração dos corpos de Antonio (Lucas Drummond) e Marcelo (Liev Carlos) e a transgressão em torno deles – com direito a uma das cenas de sexo mais incrivelmente explícitas que já vi no cinema mainstream: Nolasco tanto subverte quanto explora as contradições inerentes do faroeste, especialmente em torno das noções de virilidade e masculinidade, para elaborar essa relação. De início ela parece se desenvolver de maneira súbita demais, mas isso se justifica com a surpreendente guinada que o filme dá a partir da metade em diante.


É até difícil falar dessa mudança de tom e até mesmo de gênero no filme sem entrar no terreno dos spoilers, mas algumas cenas pregressas (à primeira vista desconexas) nos indicam que o filme opera em dois tempos distintos. Quando enfim avançamos no tempo e vemos o desenrolar da relação dos protagonistas, Apenas Coisas Boas parece se reinventar por completo. É uma guinada que pode desorientar parte do público – apesar da cena de transição entre as duas metades ser uma das mais bonitas e bem-feitas que vi nos últimos tempos –, mas que conduz a obra a um terreno inexplorado e intrigante.

Imagem: Divulgação
Imagem: Divulgação

É de se parabenizar a coragem e ousadia de Nolasco em reconfigurar o filme dessa forma, deixando de lado o faroeste para investir em um drama/thriller de toques meio DePalmianos. O que não muda é o caráter sensorial da obra, que investe em sequências mais longas, marcadas por profundos silêncios (em especial na primeira metade) e um design de som ambiente que casa com escolhas pouco ortodoxas na trilha sonora. Claro que, como todo filme de partes tão distintamente demarcadas, há sempre um risco de que elas possam não conversar entre si, e isso ocorre em determinados momentos, em especial com a mudança de gênero. Mas o final, tão simples quanto agridoce, consegue amarrar ambas as metades do filme e justificar também seu título.


Apenas Coisas Boas transgride, provoca e brinca com os gêneros do cinema sem deixar de lado sua centralidade ao amor queer sem, no entanto, idealizá-lo. Daniel Nolasco cria uma obra que tem muito potencial para ser divisiva e que nem sempre consegue se pagar em suas ousadias, mas que emerge como uma das mais interessantes exibidas no Olhar de Cinema e um ótimo exemplar do cinema queer e de gênero produzido no Brasil.


Nota: 3.5/5


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