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  • Foto do escritorFilipe Chaves

Crítica | O Milagre

Fé e mistério se unem no novo filme de Sebastian Lélio, com uma das melhores atuações da carreira de Florence Pugh

Divulgação: Netflix


Adaptado do livro homônimo de Emma Donogue, “O Milagre” conta a história da enfermeira inglesa Elizabeth Wright (Florence Pugh), que, em 1862, foi a um remoto vilarejo da Irlanda para observar o jejum supostamente milagroso de Anna (Kíla Lord Cassidy), uma menina de onze anos, que sobrevive assim há meses sem graves consequências físicas. Elizabeth é assombrada pelo seu passado, o que dificulta sua aproximação com outras pessoas e a deixa ainda mais cética, diferente da população local, que acredita se tratar de um milagre. Turistas chegam aos montes para visitar a garota, e além deles, o caso desperta o interesse de um jornalista que procura investigar o caso.


Dirigido pelo chileno Sebastian Lélio, o longa tem uma forte atmosfera de suspense. O fato de haver um mistério no enredo, obviamente colabora, mas os tons sombrios que o diretor explora, e sempre se utilizando de cores frias ou neutras, seja no cenário ou no figurino dos personagens, ajuda a deixar a experiência ainda mais imersiva, quase como se a gente sentisse o clima gélido daquele lugar. Como não li o livro, não posso julgar a fidelidade como adaptação, mas gosto bastante de como o roteiro funciona, que é escrito pela própria Donogue, Lélio e por Alice Birch. O modo como é construída a relação de Lib e Anna, muito me agrada. De início, a enfermeira tenta não se envolver emocionalmente, enquanto a menina luta para quebrar a barreira. Anna não quer ser tratada apenas como um objeto de estudo, e Lib começa a usar isso ao seu favor, à medida que começa a se afeiçoar pela garota. O texto trabalha ambas personagens muito bem, deixando o laço que elas formam extremamente verossímil, o que é importante pra que o espectador se conecte com elas e também para a narrativa no geral.


O foco central que o filme quer abordar, e o faz com maestria, é o fanatismo religioso. A comunidade é fincada sob fortes raízes católicas, tanto que, além de Lib, uma freira também é chamada para observar Anna. A maioria das pessoas ali se deixa guiar inteiramente pela fé e a crença na vida eterna após a morte. Então, quando alguém questiona isso, é como uma grave ofensa para eles. O mistério principal está completamente conectado a esta perspectiva e é em torno dela que todo o contexto vai sendo trabalhado. A surpreendente cena inicial já nos diz sobre a importância de contar uma história e acreditar dela. E é justamente sobre isso. Tudo casa muito bem e as respostas para as perguntas são bastante satisfatórias, bem como o ritmo da trama, onde eu mal senti as quase 2h. Falei que a cena inicial surpreende e é verdade. No entanto, como a trama do longa é tão forte, ela se torna um tanto desnecessária e o filme quase se torna presunçoso quando não precisava ser. Entendo o porquê de existir inicialmente, mas quando os créditos sobem, se torna uma explicação obsoleta.

Divulgação: Netflix


Expondo esse pequeno defeito, há de se falar então do seu maior trunfo: Florence Pugh. A atriz já mostrava seu enorme talento há algum tempo, mas aqui ela traz uma de suas melhores performances. Silenciosa, contida, séria, de início, ela fala pelo olhar. A complexidade dos traumas que sua personagem carrega é demonstrada de uma forma brilhante por ela. Ela não precisa de caras e bocas para expressar o conflito de emoções que Lib tem. Mas quando precisa gritar ou chorar, ela o faz sem jamais escorregar para o exagero. É fascinante. Talvez não seja indicada ao Oscar porque a campanha do filme está em baixa, mas se fosse, seria mais que merecido. Kíla Lord Cassidy também tem um papel difícil na pele de Anna, não conhecia o trabalho dela e ela manda muito bem. Outro ator que de quem eu gosto muito e fiquei feliz de vê-lo no elenco, é Ciarán Hinds. Uma pena que ele não tem tanto destaque quanto eu gostaria.


Tudo em excesso faz mal. Não tenho intenção de “explicar” o final ou o que o filme “quer dizer”, não só porque é bem fácil de entender, mas também porque enriquece a experiência de quem assiste a uma obra pensar sobre ela. Comigo pelo menos funciona assim. Prestando atenção, não há a menor dificuldade de compreender as mensagens, até porque a história te prende ali. Eu esperava um filme mais contemplativo, e fui pego de surpresa, não só pelo ritmo, como também pelas viradas bem pensadas do longa. É um filme que te convida a refletir, mas ele te dá material suficiente pra isso. E que belo material.


Nota: 4,5/5

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