Entrevista | Selton Mello e Tom Gormican sobre a “magia de trabalhar com pessoas talentosas” em Anaconda (2025)
- Aianne Amado

- 11 de dez.
- 7 min de leitura
Ator e diretor contam ao Oxente Pipoca como foi reinventar a franquia clássica para uma nova geração – e a dificuldade de manter a seriedade enquanto isso.

O jornalismo cultural é um sonho antigo para mim. Lembro de, ainda criança, assistir à Glória Maria conversando com as pessoas mais famosas do mundo e me perguntar como ela conseguia manter a compostura. Imaginava que, se fosse eu no lugar dela, certamente não conseguiria. Achei que o tempo tivesse me provado o contrário. Ao longo da minha — ainda breve — carreira como entrevistadora, tive o privilégio de conversar com artistas reconhecidos e admirados no Brasil e no mundo e, mesmo com um frio na barriga aqui e ali, sempre consegui ser calma e profissional.
Até descobrir que entrevistaria Selton Mello.
Eu mesma não sabia que era tão fã assim até receber a confirmação de que iria falar de cinema com o homem que deu vida a Leléu em Lisbela e o Prisioneiro, a Chicó n’O Auto da Compadecida, a Caramuru em A Invenção do Brasil, a Kuzco em A Nova Onda do Imperador, a Kenai em Irmão Urso, a Rubens Paiva em Ainda Estou Aqui e tantos outros.
Ator, dublador, roteirista e diretor, Selton Mello é uma força singular no cinema brasileiro contemporâneo. Quando o país ainda insistia em ignorar sua própria produção cinematográfica — especialmente a popular — ele respondia oferecendo excelência ao público. Se aventurou no drama, no documentário, na animação, na cinebiografia e, claro, na comédia, seu território mais emblemático. Ao longo de 35 anos, atuou em 39 filmes brasileiros (sem contar seus inúmeros trabalhos na televisão).
Não por acaso, um dia depois da nossa entrevista, um Selton emocionado subia ao palco da CCXP, em São Paulo, para receber o prêmio de “brasileiro mais amado do cinema”. Entre os que o homenagearam estavam Matheus Nachtergaele e Wagner Moura.
Agora, com o cinema nacional finalmente demonstrando sinais de fortalecimento, Selton se permite explorar novos horizontes. A visibilidade internacional, que despontou no ano passado com a excelente recepção de Ainda Estou Aqui, se consolida com sua participação no novo filme da franquia Anaconda — clássico dos anos 1990 que retorna em nova roupagem, desta vez sob direção de Tom Gormican. No elenco, Selton divide cena com dois queridinhos de Hollywood, Jack Black e Paul Rudd, que já expressaram publicamente sua admiração pelo carioca.
E, se Jack Black não consegue esconder seu encantamento, quem sou eu para esconder o meu?
A entrevista aconteceu também com a participação de Gormican e, por isso, fui instruída a conduzi-la em inglês. Não tenho grandes dificuldades com a língua, já tendo feito entrevistas assim outras vezes. Mas misturar o inglês com o meu entusiasmo parecia uma combinação potencialmente perigosa. Invocando uma licença poética que talvez não honre tudo o que aprendi com a gigante Glória Maria, decidi confessar — e justificar — meu nervosismo logo de início, declarando minha admiração. Selton, pego de surpresa, respondeu com um agradecimento breve. “Fui muito pouco profissional, droga!”, pensei. Até que, ao final, nas despedidas, ele voltou a agradecer pelas palavras iniciais — como se precisasse de um instante para processar que alguém tinha parado uma entrevista para elogiá-lo.
Ainda não sei se fiz bem. Me pergunto o que meus professores de jornalismo diriam dessa postura. Porém, não me arrependo do que pude expressar ao artista que fez eu — e tantas outras pessoas – ir ao cinema ver filme brasileiro quando filme brasileiro ainda nem sempre era sinônimo de ida ao cinema. A Selton, o que é de Selton. Confira a entrevista completa a seguir:
Aianne Amado (Oxente Pipoca): Eu sei que temos só alguns minutos, mas acho que preciso usar meus primeiros segundos para tietar um pouco. Já fiz algumas entrevistas antes, mas esta é a primeira pela qual estou realmente nervosa — porque sou muito fã do Selton Mello. Cresci assistindo aos seus filmes, e eles tiveram um impacto enorme em mim, especialmente Lisbela e o Prisioneiro (Guel Arraes, 2003). Eu sou do Nordeste e sinto que esse filme me fez valorizar ainda mais a cultura nordestina.
Hoje, ensino cinema, sou crítica de cinema, e acredito que sua filmografia teve um papel importante nessas minhas escolhas — e não só nas minhas, mas nas de muitas pessoas no Brasil. Então queria começar esta entrevista reconhecendo, parabenizando e agradecendo sua contribuição para o cinema brasileiro contemporâneo.
Selton Mello: Meu Deus, que fofo. Obrigado. Muito obrigado, muito obrigado.
AA (Oxente Pipoca): Como você tem uma carreira tão rica no Brasil — já fez de tudo, dirigiu, escreveu, passou por vários gêneros — eu queria saber: houve algo em Anaconda que foi nova para você? E houve algo que soou familiar?
SM: Cara, foi uma experiência incrível. Porque assim, foi, por exemplo, a primeira vez que pude dizer que um filme meu estreia no dia 25 de dezembro no mundo inteiro! Isso eu nunca falei, é uma fala que eu nunca disse na minha vida, desde criança. Sempre falei “o filme estreia tal dia” — mas era no Brasil. Dessa vez, o filme estreia no mesmo dia no mundo todo.
E já adiantando: foi um prazer trabalhar com o Tom. A ideia é muito original — não é um remake, não é um reboot. É uma ideia original – muito original, aliás: esses amigos que querem fazer um filme e precisam de uma cobra; meu personagem, Carlos Santiago, tem essa cobra. É muito engraçado, cheio de aventura, é um filme com ação, medo, terror… uma mistura muito saborosa. As pessoas vão amar. E precisam assistir até o fim dos créditos, porque é cheio de surpresas!

AA (Oxente Pipoca): Tom, do seu ponto de vista trabalhando com o Selton, houve algo na atuação dele que refletisse a cultura brasileira, alguma característica nossa?
Tom Gormican: Acho que o mais interessante em ter ele no filme — e talvez seja algo brasileiro, talvez seja só dele — é o senso de humor. É algo que acaba refletindo no personagem. A forma como interpreta o personagem com tanta seriedade que isso se torna muito engraçado. A maneira como improvisa, como constrói a cena quase como um diretor ou roteirista, e depois como ator… eu fiquei impressionado com sua habilidade de fazer isso – assim como Jack e Paul, que não tinham ideia de que tipo de presença ele seria no set. Foi uma descoberta muito empolgante para mim, e ele trouxe uma perspectiva cômica diferente para o filme.
AA (Oxente Pipoca): Falando nisso, o filme traz alguns gênios da comédia no elenco. Houve alguma cena especialmente difícil de gravar porque ninguém conseguia ficar no personagem?
TG: Para mim, só conseguir fazer com que esses caras [atuassem]… quero dizer, eles pegam um microfone e já estão tocando guitarra e bateria. Então, fazê-lo parar e realmente atuar no filme foi muito difícil. Mas há uma cena específica, um funeral no filme, em que o Selton meio que conduz tudo.
Selton começa a rir
TG: E, em certo momento, ele começou a cantar sobre o amor dele pela cobra de estimação. Isso fez todo mundo rir muito, porque era tão bizarro que eu pensava: “Não acredito que isso está acontecendo”. Então, todo o elenco começou a cantar junto com ele — e isso acabou entrando no filme.
SM: Essa é uma imagem maravilhosa que vou levar comigo para sempre. Era o Tom e o Kevin, o corroteirista, com os fones ligados ao monitor, parecendo crianças de dez anos assistindo ao filme que eles criaram e vendo o que estava acontecendo — a improvisação, a loucura. E o tom era tipo [ele canta numa nota aguda]… eles estavam simplesmente adorando tudo aquilo.
TG: Sempre que alguém cria algo melhor do que o que escrevemos, eu fico muito empolgado, porque isso é parte da magia de trabalhar com pessoas talentosas.
AA (Oxente Pipoca): Essa franquia tem um legado forte dos anos 90 — uma nostalgia muito típica daquela época, cheia de momentos muito específicos da cultura pop. Como vocês, os dois, equilibraram homenagear essa nostalgia enquanto criavam algo novo para o público atual?
TG: Bem, para mim e para o meu parceiro de roteiro, Kevin, nós simplesmente amamos o filme original e nos inspiramos nele. Então, fizemos com que os personagens do nosso filme também fossem inspirados por ele. Dessa forma, não precisamos mexer diretamente no legado do filme e dos personagens… não preciso expandir a mitologia que eles criaram. Podemos fazer um filme totalmente original que, ao mesmo tempo, presta homenagem ao original.
SM: De um jeito original.
AA (Oxente Pipoca): Dirigir um filme de criatura em grande escala exige equilibrar realismo, suspense e diversão. Qual foi a maior aposta criativa que você fez nessa mistura?
TG: Bem, para mim, há muitas maneiras de um filme como esse sair do trilho e ficar bobo, exagerado ou amplo demais. Encontrar o equilíbrio do tom foi o maior risco — fazer o público acreditar que os personagens realmente correm perigo, enquanto também fazemos as pessoas rirem. O humor costuma diminuir a sensação de urgência numa narrativa, então isso foi um grande desafio. Eu pedia para todos os atores levarem tudo muito a sério, sabe? Para tratarem as cenas com total seriedade. Mas é muito difícil olhar para o Selton ou para o Jack Black e dizer: “Preciso que você leve isso muito a sério. Tem uma cobra gigante de 200 pés bem ali”. E eles precisarem tratar isso como real! Então, a gente acabava rindo da situação e de como nossos trabalhos são absurdos às vezes… e depois voltávamos a filmar.
AA (Oxente Pipoca): Ok, pessoal, esse foi o nosso tempo.
SM: Então vou terminar mandando um beijão para vocês e dizendo a todos os fãs do Oxente Pipoca que vocês são sempre muito queridos comigo nas redes sociais. E adorei o que você disse no começo, foi muito bonito — porque realmente Lisbela e o Prisioneiro, O Alto… não só fizeram parte da sua história, mas da minha também. Então é algo mútuo. Foi muito bonito falar com você, e que Anaconda seja um enorme sucesso!





